Maria Sousa, de Lisboa, responde à crónica da poetisa e escritora, Julieta Lima, aqui publicada no dia 22 do corrente, e que transcrevemos com a devida vénia:
É a velha revolta que nos acompanha há muitos anos por nos terem atado mãos e pés e cabeça com um sistema que nos atava -mesmo- como uma grilheta. Não podíamos adivinhar o futuro, mas também não podíamos, sobretudo, hostilizar o sistema, que mal nos visse levantar um dedo, mal nos ouvisse dizer um não, se lançaria sobre nós, criaturas dependentes do dinheiro dos pais, do marido, dos talibãs dos empregos sem condições para fugirmos, fisicamente, disto tudo e chegar a um país distante (haveria algum?) onde uma mulher jovem e só não fosse imediata e torpemente assediada, brutalizada, sufocada, sujeita a tudo só porque estava só.
Estás esquecida do que aconteceu aqui em Lisboa, já depois do 25 Abril, às mulheres que foram para o parque Eduardo VII apregoar o feminismo? Levaram os filhos pequenos, que outras ficaram a vigiar dentro dos carros que conduziram e estacionaram ali próximo, confiadamente, porque esperavam quando muito alguma chacota de apenas alguns cavernícolas que não tivessem mudado de ideias com a revolução. O que aconteceu, em vez da risota por queimarem roupa interior (o que simbolicamente significaria queimarem o “jugo” do tal sistema), foi que, mal atearam a inócua fogueira, se viram envolvidas por hordas de homens de TODAS as classes sociais, que as cuspiram, que andaram de pila em pé a esfregá-la para lhes BESUNTAR os rostos com esperma, foram apalpadas, esbofeteadas, atiradas ao chão, vestidos rasgados, e os carros onde tinham deixado as crianças, FORAM VIRADOS COM OS MIÚDOS LÁ DENTRO! Os jornais tiveram ordens, salvo erro do MFA, para não mostrar nem escrever “demasiado” sobre o que houve pois seria uma vergonha internacional. Houve vários fulanos, ao tempo meus colegas, que foram ao parque: Mas, não fizeram NADA!!!!
Portanto, estávamos atadas como já disse, fisicamente e espiritualmente, ou antes, intelectualmente também, a maior parte de nós.
Assim, em vez de inveja, este sentimento com que ficámos foi de revolta. Porém, hoje já não é assim, os anos passaram, mas passaram para tudo, infelizmente também para já não sermos jovens mas adultas a caminhar para a velhice, ou mesmo velhas, como eu.
Então, à revolta junta-se a amargura quando vemos um homem jovem a conseguir fazer aquilo a que quereríamos ter também acesso, e já não temos porque não somos jovens, nem ágeis/nem saudáveis e o dinheiro não abunda – foi gasto com a família, as filhas (e os maridos, de muitas maneiras).
Ficamos contentes por elas hoje poderem o que não pudemos, mas só isso não nos conforta completamente, longe disso.
Fomos cilindradas pela época em que vivemos. Eu cá continuo revoltada, já nem noto que é revolta quando invento o tal kit com luvas e tenazes e gás paralisante! E os meninos de hoje, da idade dos nossos filhos, se e quando se “revoltam”connosco e as condições que lhes demos, nem sabem o que dizem.
Revolta+amargura = parecer inveja.
Isto vai tudo muito mal escrito mas é difícil alinhar as balas numa pistola de água”.
bjs
Maria Sousa
Lisboa, 24-01-2010