As paredes são lodo apainelado de telemóveis, fios retorcidos, ouvidos, ouvidos, ouvidos.
Ali não há gente, há ratos de todos os feitios e cores, ratos reles, repelentes, ratos que grunhem, espreitam, delatam, confundem, ratos em caros fatos com os ouvidos peludos a escutar na sombra os guinchos privados da rataria do lado. Nada há publicado sobre os direitos fundamentais do rato, mas creio que, quanto mais não seja porque se trata de um animal vivo, terá pelo menos o direito à sua privacidade e essa é constantemente violada pelos peritos em devassa, em torpeza, em intriga.
Há cicuta nos doces, nos salgadinhos, nos blinis besuntados de caviar. Não se sabe quem envenena quem.
Não interessa se o rato a abater é apenas um camundongo que ali passa, ou um ratão pulguento portador de pestes.
A sarjeta é sem regras e a lei fica na linha do meridiano entre a braguilha e o bolso de cada criatura sinistra que ali habita.
No tecto há um bueiro solto e dali espreita-se um céu redondo pejado de microfones e satélites que fazem das ratazanas pontos confusos que não são estrelas. Contorcem-se escutadores e escutados, encornadores e encornados em números cada vez menos finitos. Há circo na sarjeta, baloiça-se a loucura num trapézio imparável, a corrupção engole notas a arder. Os espectadores (forçados a assistir e a pagar o show) aplaudem, apupam, alguns vomitam a torpeza insuportável que, com soberba, se rebola na arena.
Inocência e decência trocadas por cheques, viagens, tijolos, telhas, sacas de cimento, mão-de-obra explorada a indigentes.
Está cheia a sarjeta. Ratazanas. Ratazanas malditas, ratinhos à espera de migalhas, hamsters rosadinhos a ver o que é que isto vai dar e um cortejo infindável de bajuladores, doutores, embaixadores, locutores, encantadores todos de serpes alucinadas.
Alguns espectadores ensurdecem, outros morrem, como aconteceu hoje na berma do frio polar que lá no fundo não se sente.
Mozart mais mais alto
Ainda bem que há Mozart