E estou cansada dos telejornais, debates e entrevistas sobre o mau tempo na Madeira (sinónimo de pau) daí a crónica.
Claro que estou, como todos os portugueses, chocada com as notícias, as mortes, os desaparecidos, os feridos, os desgraçados todos, mas os leitores farão o favor de me julgar, cheira-me a morto por todos os cantos. Cheira-me a mofo, tenho cogumelos nos olhos, musgo nas orelhas, tudo está empapado, ensopado, pantanoso.
Acho que somos um povo um bocadinho necrófago, «olha um morto» e lá vai tudo a correr, «olha um desastre» e vão todos empoleirar-se a veeeeeeer e o que mais me entontece são aqueles jornalistas, com o coiso na mão a perguntar a uma pessoa que perdeu a família toda «então, isto custa-lhe muito?» ou a outro todo feito em pedaços «dói muito, não é?» ou a um comerciante com a loja atulhada de lama «Isto é um grande prejuízo para os senhores, não?».
Depois de noites infindáveis de Haiti « How do you feel after loosing your eight kids?», «Ahn, you live now in a tent with three thousand people(s)?», temos o Inverno garantido com as cheias na Madeira. Nos intervalos lá acodem até às «Escutas», hoje voltaram à licenciatura do 1º. Ministro, mas agora entrou o caruncho na Madeira e até o caso da «Nádega Oculta» anda resguardado.
Raios. Poças.
E o alentejano que ontem apanhou com um raio e lá se foi e os sem abrigo que morreram congelados ? E Torres Vedras?E? E? E? Cousa pouca, os que morreram foi a seco, nem sangue houve, não contam, aqui o que conta é a morte aos pedaços, aos magotes, ali de reboleta nas águas, o povo desbarrigado, desumbigado, estripado. Mistura de sangue e lama, então há lá melhor petisco para uma boa reportagem?
Mo meu cubano modo de ver as coisas tem de haver um meio-termo para tudo. Até para a divulgação das desgraças e, desculpai-me, o aproveitamento delas.
O certo é que el rei Don Alberto ali anda de Range Rover e casaco de antílope a espetar o dedo anquilosado a tudo e mais alguma coisa e se não me engano está aqui está a deitar as patinhas de fora e a dizer que a chuvada na Madêra foi coisa engendrada no Contenente. Ainda a catástrofe decorria e já sua Majestade admoestava «nã dramatizem, nã convém quisto se fale munto lá fora». Ó senhoria, as offshores nã se afogam, antes se tivessem afogado em vez dos pobres que são sempre os mais beneficiados pelos acts of God!
O buraco, i.e. o estacionamento do centro comercial encafuado (sabe-se lá se no leito da ribeira), deve também ter mãozinha «dessa gente cubana que nã percebe nada diste».
O financiamento já vai a caminho e se na festa da flor ele já não andar por ali a girassolar asneiras, macacos me mordam. Enfim.
Não me apelidem os leitores de velha sem coração, mas quando nos morre alguém em casa não temos o enterro gravado em DVD, não temos os últimos suspiros dos nossos entes queridos no rádio do carro, não trazemos a morte e a desgraça a tiracolo, não e não porque um luto faz-se em silêncio, as lágrimas choram-se nos lenços, não nas lentes dos abutres.
Para as pessoas que precisam de umas boas doses deste material pesado para alimentar as suas neuroses, aconselho que se manifestem na Avenida e exijam a criação de um Canal de Televisão dedicado exclusivamente à morte, à desgraça e em tempos de calma, à má língua.
Há por aí tanta imaginação, mas… que tal a «TV Martírio?», ou a «TVT- televisão da tortura». A gente enchia um alguidar de água a ferver, ligava aquilo e distraía-se, enquanto ia queimando os pés.
A (des)propósito: o orçamento do estado, a crise, os pedófilos, os lucros desalmados das nossas banquetas???
De molho, já se vê.