O menino de Mirandela
Agora ninguém ri nem te atormenta
Já não tens medo
Eles estão lá longe.
Faço das minhas lágrimas um ramo de açucenas.
Com o meu desgosto acendo uma vela que te mostre
o caminho ao regaço dos anjos.
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Suicidou-se um menino. Não quis mais, atirou-se ao rio.
Sufoco na vontade de afogar no rio uma sociedade doente, terrivelmente infectada com o vírus da torpeza, da iniquidade e pior ainda com a pandémica desatenção dos adultos – todos – sobre as crianças.
Não tenho muito para dizer neste crónica. As minhas lágrimas, e as de milhares de pessoas como eu, são águas transparentes que escorrem sem ruído por rostos alarmados.
Mas a lágrima, o suspiro, o sofrimento quieto (como o que levou o menino no seu voo sobre o rio) não merecem atenção. Muitas vezes nem merecem sequer a atenção dos que, debaixo do mesmo tecto, têm mais que fazer do que aturar «chorinas».
As televisões falam do assunto «de raspão». Não há corpo, não há gritaria, não há espalhafato. Surgem homens e barcos e cães e polícias e sei lá mais o quê a procurar o menino morto. Enquanto viveu seviciado (nada que não se resolvesse com uns pares de estalos nas fauces dos pequenos hunos) não houve uma alma que o socorresse, o escutasse, lhe adivinhasse no rosto a tragédia causada pelos aprendizes de malditos.
Os papás vão certamente negar que as suas crias sejam malévolas, os psicólogos vão tratá-los com horas de conversa que os pequenos canalhas não querem entender, o Ministério da Educação vai dizer que são «alunos problemáticos» e os professores vão ter que virar a cara para o lado se não quiserem levar também.
O gang continuará o seu tirocínio para : ladrões, mentirosos e assassinos que já são.
A escola do Leandro não deu por eles, não deu pelo sofrimento do Leandro, as famílias de uns e de outros também não. Há que estudar cuidadosamente o acto sexual enquanto o acto de (in)cidadania mais elementar se resolve na ponta de uma corda, num frasco de veneno, na corrente de um rio.