Faltam-nos quando somos crianças e lhes obedecemos, faltam-nos quando somos velhos e já não obedecemos a ninguém.
Se esta crónica tiver algum leitor(a), peço-lhe: dê um beijo à sua mãe – agora – telefone-lhe, mande-lhe um beijo. E se ela estiver já naquele lugar onde está a minha, dedique-lhe um suspiro, uma lágrima e diga na mesma «um beijo, amo-te mãe».
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Quero o meu silêncio de volta, talvez aquele que era no ventre de minha mãe com o mar ao longe no fundo da rua. Era o tempo ainda das ilusões – dela, da minha mãe, fingindo acreditar em mentiras e aceitando traições como parte da vida de uma mulher.
Talvez não fosse silêncio. Devo tê-la ouvido chorar baixinho no seu leito de verão quando a vida me tocou no seu útero jovem e eu comecei a invadir o seu corpo com o meu destino de nada-viva a ser em Abril. Talvez fosse violento o ruído que se escapava através da pele do ventre da minha mãe. O ruído das queixas que ela não dizia, o estrépito que o medo sempre causa até nas rochas e ela – a minha mãe – era cristal da cor transparente da baía da Luz onde em menina era feliz e sorria.
Afinal não quero nada de volta, porque depois do regaço dela – da minha mãe – caí no caos onde o silêncio ensandeceu e eu despenhei-me entre farpas e garras de rojo por ribas e ladeiras.
Não ouço nada já. Lá longe a minha mãe prepara cueiros brancos e vestidinhos leves p’rá minha Primavera e o silêncio que nunca existiu afaga-me agora o rosto de megera velha, limpa-me as lágrimas de chorona que sempre fui – já a minha mãe o dizia.