Um velho a tratar de uma velha, um homem a tratar da sua mulher. Chamam-lhes «cuidadores», a eles.
Sinto uma espécie de refluxo no estômago que o facto de um homem tratar/cuidar da sua mulher mereça um programa de televisão. O facto de as mulheres terem uma história milenar de cuidadoras dos seus homens, dos seus filhos, dos seus pais idosos não «incomoda» nem «compadece» ninguém. Habituou-se a alimária humana às piruetas da fêmea.
Mas o «cuidador» é tratado com a surpresa de um urso a andar de bicicleta – de boca aberta!
Isto fez-me pensar que na maioria dos casais que conheço, o homem é tratado como se tivesse as mãos amputadas e as pernas amarradas (como se faz às cabras).
O homem senta-se à mesa, habituado a ser servido: «Dá-me aí a colher, o copo, vai lá ali buscar-me a pimenta…». E a mulher mais moderna e avançada, cabelo à punk e unha de vinil, levanta-se e obedece. Parece coisa do outro mundo, fantasmagoria.
São filmados com uma espécie de veneração os jovens papás que vão levar ou buscar os bebés à creche/escola e agora mostram-nos estes velhos heróis abnegados que dão banho às mulheres inválidas e as «cuidam» em 99,9% dos casos desajeitadamente, diga-se em abono da verdade. (A maior parte das velhas estão assim rebentadas por causa deles, dos cuidadores enquanto cuidados, mas isso é outro assunto).
Voltando ao termo «cuidadores», pois, inspira-me sempre muita piedade que um adulto tenha de ser cuidado, mas o que me inspira mais piedade é a ignorância em que foram educados os nossos homens (infelizmente muitos continuam graças às suas estúpidas mãezinhas).
E agora «cuidadores»! É deprimente. As mulheres foram sempre cuidadoras/guardadoras deles e dos filhos e dos pais e nunca ninguém lhes chamou mais do que mulheres. No dia em que caem e o divino esposo as trata (nem sempre muito bem, porque só aprenderam a cuidar de si mesmos e às vezes nem isso..) surge um «cuidador» que merece honras de tv.
Parece que já se começa a sussurrar aos ouvidos dos meninos uns «É preciso saber fazer a cama. Tens de aprender a lavar a loiça…». Mas isto vai ser tarefa de gerações e não digo mais nada.
Passou agorinha mesmo por debaixo da minha janela um cuidador a empurrar a cadeira de rodas da esposa. Ela levava os sapatos calçados ao contrário e um casaquinho sobre os ombros derreados com uma manga a rojar o chão.
Ele estava muito bem arranjado, com o boné de lado, à malandro.
O «cuidador-empurrador» não ia muito à vontade, devia sentir-se caricato por andar a tratar da mulher, em vez de estar no café a cantar com os outros galos velhos.
Lá foram, avenida abaixo… eu fiquei a olhar, pensando, onde está a modernidade de uma sociedade que não aprendeu a cooperação, a entreajuda independente dos sexos?
Não sei onde está a modernidade. Não sei se já chegou.