José Saramago – 14,00H domingo 20-06-2010
Quando se olha o que fica, a sensação é de alívio. Acabou. Não há o doloroso descer à terra, o entaipar dentro de uma gaveta, o abandono do nosso ente querido à voracidade dos vermes.
Apetece agarrar a caixinha e levá-la, seguros de que não somos mais do que um punhado de cinza, igual à que se limpa na lareira nos dias de frio. O nosso ente querido está ali, é naquela cinza a essência de continuar a ser, ainda que pó.
«Morrer é deixar de estar» disse José Saramago. Disse-nos muito, disse a muitos o que não gostaram de ouvir mas sobretudo fez-nos pensar, obrigou-nos a criticar, levou-nos às questões que muitas vezes não fazemos por hipocrisia.
Está a ser cretinamente criticado pelo Vaticano mas pela grande maioria dos portugueses está a ser bendito por ter existido, por ter tido coragem de voltar as costas e sair deste lugarejo que tanto o denegriu. E agora voltou para nós que o maltratámos tanto. Veio provar a grandeza da alma que teve e o seu orgulho de ser Português.
Ficou Pilar del Rio. É dela a grande perda. Portugal ficou com a sua glória, o seu Nobel, as suas cinzas. Amanhã já se secaram as lágrimas todas mas Pilar ficou para sempre sem a sua metade, sem o «Pilar» gémeo da grande construção de amor e amizade que ambos erigiram nas suas vidas.
O seu rosto orfão nunca mais será o mesmo, ele estará com ela sempre, mas do outro lado onde as palavras não chegam.