Nao percebes isto, claro, um homem torna-se híbrido atrás de umas grades. Leão de circo, ave canora, cobaia de laboratório. Os meus olhos são agora presa de uma teia de que fui a tarântula e a mosca incauta, as minhas mãos perderam-se do tacto e o meu olfacto fez-se prisioneiro do odor do sangue fresco.
Que bom sentir-se um homem acima de si mesmo. Quem é que diz que matar diaboliza? Não. Quem mata é acima de deus, ultrapassa o rebanho dos resignados ao destino e arrepia caminho.
Hoje penso no tempo precioso que gastei a salvar vidas. Já viste que infligi mais sofrimento àqueles a quem salvei a vida, do que a este vermiforme néscio que matei com a minha dor?
Orgulho-me das minhas mãos menos por todos os carinhos que distribui durante a vida do que por terem matado. Meus dedos finos, minhas mãos fortes a apertar, a apertar, e aquele par de olhos horrorizados perante a graciosidade do meu gesto de misericórdia.
Primeiro libertou uma espécie de ganido que passou a sopro, depois silêncio. Os seus olhos permaneceram abertos diante dos meus como se lá do outro lado quisesse ainda puxar os fios da marioneta em que me tornou.