A geração Rasca, À Rasca, The Wall, e todo o tipo de Paredes e Muros

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wallQuando cheguei à Escola Secundária onde estudava, em Abril de 1994, encontrei-a fechada a cadeado, pelo nosso carismático Presidente da Associação de Estudantes. Sorrio quando me lembro dele. Irrequieto, de olhos febris, roupas excêntricas gritava com um megafone que não queríamos provas globais, nem exames nacionais, e não queríamos um dia vir a pagar propinas. Não, não queríamos mesmo.

Na altura, eu era um elemento muito novo no meio da multidão. As escolas secundárias lecionavam do sétimo ao décimo segundo ano e eu nem chegava aos queixos meio barbudos de alguns dos alunos mais velhos.

Como eu não queria nada disso também, achei correto juntar-me ao protesto. Tinha um cartaz partilhado com mais duas no qual se podia ler “Leite não é Juventude” – um trocadilho ao anúncio de uma marca de leite e ao último nome da Ministra da Educação da altura (sim, essa). Sentávamo-nos nas ruas, o trânsito parava, a escolta policial, as escolas todas juntas, depois, em Faro, sei lá.

Mais tarde, em casa, nas notícias, um apanhado de todo o país. Tinha sido grande. Juntaram-se os universitários (ou nós a eles) com o “Não pagamos, não pagamos, não pagamos as propinas”.

Falavam de uma imitação da geração de 68 e eu fui ver o que era isso à enciclopédia (perdoem, mas tinha treze anos mal feitos!). Repudiavam os rabos que tinham sido mostrados às câmaras dos jornalistas. Como era possível que os jovens que estavam a educar mostrassem os “sim senhores” assim? Uma falta de respeito e obviamente um problema educativo que teria de ser sanado, sob pena de o país estar a criar a pior geração de sempre. Uma geração rasca!

Baixei a cabecinha perante os comentários dos avós, que concordavam com o coro dos senhores da televisão. Era bom que eu não tivesse estado por lá. Não respondi, mas senti orgulho porque sim, tinha. E eu sabia que não eramos rascas. A meu ver, nessa altura, mostrar um rabo a todo o país era uma mostra da coragem que eu não tinha. Nessa parte a família podia estar descansada.

Há uns poucos anos essa geração passou de “Geração Rasca” para “Geração à Rasca” e voltou às ruas. Eu estava em Lisboa de passagem. Uma coisa trouxe a outra à memória e depois caiu no tempo dos tempos. Afinal, não foram uns rabos desnudos que arruinaram o país.

Ontem, reuni-me com o antigo presidente estudantil. Obviamente, não me reconheceu. Continua o mesmo miúdo irrequieto, enérgico, original, cheio de projetos e ideias. O mesmo filósofo, cheio de porquês. O mesmo brilhantismo e aquele jeito carismático. O “Mató” é a alma da “Fábrica dos Sentidos”. A “Fábrica dos Sentidos” é uma galeria sem paredes, porque já há barreiras que cheguem, visíveis ou não. Os alunos da Universidade vão para lá estudar e também expõem os seus trabalhos. Espero que outras paredes se derrubem, pois o projeto é muito bom. Devia haver mais parcerias. Fui para casa a ouvir rádio e a pensar: as paredes é que são rascas. Abafam. Não deixam entrar ar novo e fresco. Dei por mim a cantar Pink Floyd. O leitor saberá qual a música. Por muitas gerações livres, chega de paredes e fatos. Vamos fazer coisas e pensar coisas!

Selma Nunes

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