Na altura, eu era um elemento muito novo no meio da multidão. As escolas secundárias lecionavam do sétimo ao décimo segundo ano e eu nem chegava aos queixos meio barbudos de alguns dos alunos mais velhos.
Como eu não queria nada disso também, achei correto juntar-me ao protesto. Tinha um cartaz partilhado com mais duas no qual se podia ler “Leite não é Juventude” – um trocadilho ao anúncio de uma marca de leite e ao último nome da Ministra da Educação da altura (sim, essa). Sentávamo-nos nas ruas, o trânsito parava, a escolta policial, as escolas todas juntas, depois, em Faro, sei lá.
Mais tarde, em casa, nas notícias, um apanhado de todo o país. Tinha sido grande. Juntaram-se os universitários (ou nós a eles) com o “Não pagamos, não pagamos, não pagamos as propinas”.
Falavam de uma imitação da geração de 68 e eu fui ver o que era isso à enciclopédia (perdoem, mas tinha treze anos mal feitos!). Repudiavam os rabos que tinham sido mostrados às câmaras dos jornalistas. Como era possível que os jovens que estavam a educar mostrassem os “sim senhores” assim? Uma falta de respeito e obviamente um problema educativo que teria de ser sanado, sob pena de o país estar a criar a pior geração de sempre. Uma geração rasca!
Baixei a cabecinha perante os comentários dos avós, que concordavam com o coro dos senhores da televisão. Era bom que eu não tivesse estado por lá. Não respondi, mas senti orgulho porque sim, tinha. E eu sabia que não eramos rascas. A meu ver, nessa altura, mostrar um rabo a todo o país era uma mostra da coragem que eu não tinha. Nessa parte a família podia estar descansada.
Há uns poucos anos essa geração passou de “Geração Rasca” para “Geração à Rasca” e voltou às ruas. Eu estava em Lisboa de passagem. Uma coisa trouxe a outra à memória e depois caiu no tempo dos tempos. Afinal, não foram uns rabos desnudos que arruinaram o país.
Ontem, reuni-me com o antigo presidente estudantil. Obviamente, não me reconheceu. Continua o mesmo miúdo irrequieto, enérgico, original, cheio de projetos e ideias. O mesmo filósofo, cheio de porquês. O mesmo brilhantismo e aquele jeito carismático. O “Mató” é a alma da “Fábrica dos Sentidos”. A “Fábrica dos Sentidos” é uma galeria sem paredes, porque já há barreiras que cheguem, visíveis ou não. Os alunos da Universidade vão para lá estudar e também expõem os seus trabalhos. Espero que outras paredes se derrubem, pois o projeto é muito bom. Devia haver mais parcerias. Fui para casa a ouvir rádio e a pensar: as paredes é que são rascas. Abafam. Não deixam entrar ar novo e fresco. Dei por mim a cantar Pink Floyd. O leitor saberá qual a música. Por muitas gerações livres, chega de paredes e fatos. Vamos fazer coisas e pensar coisas!