Povo que lavras a Ria – demolições e petróleo, não

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mar 0127
Povo que lavras na Ria / Que cavas com muito agrado / Marisco p’la tua mão / Pode haver quem te desdenhe / Quem venda o teu chão sagrado / Mas a tua vida não!”

O meu Algarve é feito de açoteias caiadas de branco, fachadas trabalhadas, chaminés mouriscas, nesgas de areia adivinhando o mar. É um pátio com um degrau de pedra simples, um quintalinho de mosaico com desenhos florais, ressequidos pelo sol de muitos verões, talvez com a sombra de um loendro. É o bocadinho de musgo na escada para a açoteia, ou ao lado da porta. É um sopro de vento a bater num toldo, marcando o ritmo dos silêncios sem culpas. É um enorme, azul, luminoso, fantástico que se abate sobre os longos braços da Ria Formosa. E das falésias. E da serra. E das gentes.

É um barco pequeno, pintado com afeto, a separar lentamente as águas de um pedaço de Ria. É uma reunião de gaivotas a mergulhar e a gritar em torno de um muge à babugem. São as tuas botas de trabalho e as tuas botas de água. A tua enxada e a tua faca de amêijoa. É isso tudo e claramente muito mais. É o despertar da sede de praia e tempo livre que bafeja no sal da pele e dos tempos estivais. É muito mais do que a foto do casal ao cair do sol, como prova cabal de que há tempos felizes. Muito mais. É a cultura, a maneira de ser e estar, o calar e o grito, o arrastar de vogais e as palavras que parecem acabar em consoante. Às vezes as frases que ficam a meio. Terra, água, sol, gente e mais do que isso.

O Algarve é mais e melhor do que grupos económicos que lhe vêm devorando o sangue, a força, e agora lhe pedem as entranhas em troca de coisa nenhuma. Não se podem calar os seus filhos. Poderão ser tentadas maneiras legais (pouco éticas) de arrancar algarvios pela raiz. Mas mesmo assim, será sempre algarvio e será impossível retirar a Ria Formosa, o mar, o sal, as gaivotas, a serra e os barcos de dentro dele.

mar 0127

Algarvio que fale responderá a isto. “Podemos arrancar-te da tua casa? Queremos destruir o teu chão, o teu quintal e reduzi-lo a zero, como estava antes do antes no início dos tempos, ou antes do século XVI. Queremos furar a tua costa, concessionar a tua ocupação. Fizemos um plano e temos decretos.” O algarvio, ou qualquer um responderia: não, a minha vida não!

Selma Nunes

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