O Pentateuco – primeiro livro impresso em Portugal – saiu de uma tipografia de Faro em 1487 e foi roubado pelos ingleses em 1596. Verdade ou suposição? Especialistas da História do Livro estiveram reunidos no Algarve e dizem que a História pode ser outra.
“O livro mente. O papel conta-nos muitas mentiras.” Quem o diz é João Alves Dias, o único investigador português a trabalhar o significado das ilustrações que decoram as letras capitulares dos livros do séc. XVI e que, na passada sexta-feira, mostrou a primeira banda desenhada de Jesus: “Temos de pensar que na História do séc. XVI e que está a nascer o Protestantismo, os problemas anglicanos de outra Igreja para a Inglaterra, os problemas com o Papa, mas tudo se quer voltar seguindo o princípio de Erasmo e de Lutero à religião pura. Foi uma mensagem subtil de fazer essa transmissão da religião pura: deixemos o profano, que era o que aparecia antes e vamos pôr temas religiosos de A a Z, ora arrumando a vida de Jesus, ora contando a estória da Bíblia ou contando outras estórias que ainda vou descobrir.”
“Mudar” a história não é fácil. Os documentos – ou a falta deles – são o que sustenta teses e debates sobre os factos. É por isso que na jornada dedicada aos 530 anos de livro impresso em Portugal, voltou a falar-se sobre o famoso saque britânico de 1596, liderado pelo aristocrata e corsário inglês Robert Devereux, 2.º Conde de Essex. Aquele a quem a História tem atribuído o roubo do Pentateuco. Rui Loureiro, do Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes e CHAM – Centro de Humanidades da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (CHAM-FCSH/UNL) admite que o assunto tem feito correr alguma tinta, mas alega que a teoria de roubo não é clara.
“Havia a noção de que o Pentateuco poderia estar ligado ao roubo dos livros pelo Conde de Essex em Faro, mas não há nenhuma documentação nem na Bodleian Library nem no resto da literatura que associe o Pentateuco a este conjunto de livros. Uma hipótese de trabalho é o livro ter sido levado por alguém, algum judeu que tenha emigrado, obrigado ou por vontade própria e acabar por ir lá parar. Pode ser verosímil!”
A matriz da imprensa nacional foi-se completando ao longo do dia, com questões ligadas à tipografia, dos caracteres móveis aos computadores. Artur Anselmo, um dos pais da História do Livro também presente, colocou a tónica na tintagem:
“Temos lá na Academia das Ciências a Bíblia impressa por Gutenberg e fico maravilhado com a tintagem daquelas folhas. Quando vejo os livros de hoje fico horrorizado com o preto da tinta, muitas vezes cinzento. Custa a ler! Estamos a andar para trás, todos os dias. A própria imprensa nacional que devia ser o modelo destas áreas. Eu já não vejo bem, por isso uso óculos mas, preto preto, é o de Gutenberg!”, indigna-se Artur Anselmo que tem já 40 anos de trabalho, publicado, primeiro em França e só depois em Portugal, um dos precursores da plataforma de conhecimento internacional em rede que o CHAM-FCSH/UNL integra.
A criação de um Museu de Imprensa no Algarve na antiga tipografia farense União, apresentado ao final da tarde, foi muito bem recebida pelo Centro: “Temos todo o interesse em que haja um trabalho de musealização, seja para divulgar seja para recolher e conservar o material que existe.” João Luís Lisboa, subdirector do CHAM, evidencia as ligações entre a Academia nacional e as estrangeiras: “A nível internacional há conhecimento sobre o que tem vindo a ser feito em Portugal. Temos vários laços e iniciativas conjuntas, nomeadamente com o Brasil, França, Itália e Espanha.”
Sobre o Museu de Imprensa no Algarve, Patrícia de Jesus Palma, dinamizadora do Colóquio, promete mais novidades em 2018, quando se completarem os 210 anos sobre a reintrodução da tipografia no Algarve.
Agarrando nas palavras de Artur Anselmo, de que “para se fazer, temos que fazer bem feito”, a investigadora salienta, para já, o âmbito abrangente do projecto: “Deve ter uma construção colectiva, interinstitucional e multidisciplinar. Acredito que reunimos no Algarve uma oportunidade única para a musealização da tipografia União. Além do parque gráfico há um importante espólio documental que nos conta a história da imprensa. Esta tipografia, constituída em 1909 pela Diocese do Algarve, insere-se numa autêntica cidadela do conhecimento, uma cidadela espiritual que pode ser percorrida através deste património e destas memórias.”
Uma visão partilhada pela Direcção Regional da Cultura do Algarve que tem impulsionado o projecto desde Outubro de 2016, quando este começou a ganhar forma. “Não sabemos o futuro sobre as tecnologias no suporte à escrita mas a escrita como meio de comunicação tem um passado a relembrar em Faro e no Algarve. Este modelo pode significar uma nova centralidade na dinâmica da vida cultural e intelectual do Algarve.” – adianta Alexandra Gonçalves.
O presidente da Câmara Municipal de Faro, Rogério Bacalhau, salienta que a iniciativa é tão mais importante porque comprova que o Algarve não é uma região subalterna do ponto de vista cultural: “A Câmara está disponível para colaborar em tudo aquilo que estiver ao seu alcance, nomeadamente na arquitectura e especialidades e também com a museologia”, garante.
A musealização da tipografia poderá contar com o apoio de alguns dos seus antigos tipógrafos, ainda vivos, para colocar o prelo e o projecto de formação e conhecimento em movimento.
O Colóquio “Pentateuco: comemoração dos 530 anos de livro impresso em Portugal”, iniciativa conjunta do CHAM-FCSH/UNL e do Município de Faro, contou com o apoio da Direcção Regional de Cultura do Algarve, Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes e Fundação Manuel Viegas Guerreiro.Fonte: Fundação MVG