Evito algumas conversas como se evita um buraco na EN125. Evito alguns comentários com a vontade de quem faz alpinismo a motor pelas mais recentes lombas de Olhão. Não firo sensibilidades. Ando neste passo de “zombie”, no trabalho e de festa em festa. Já é difícil sentir empatia. Existência etérea. Tudo me aborrece imensamente.
Tenho mais amigos nas redes sociais do que contactos telefónicos. Quando vou a um concerto, ligo a câmara. Vejo concertos através do ecrã do meu “smartphone” e mando tudo em directo para as redes sociais, para o universo! É a única maneira de dizer que estou aqui, tendo em conta que de mais modo nenhum estou. Mesmo que o som e a imagem não prestem.
Compro artigos “escolha número um dos consumidores” de uma publicação que ninguém conhece quem lê. Quando compro, compro o que diz “professional”, mesmo que seja um secador de cabelo e eu não seja profissional do ramo.
Ando a passear as marcas que pago para vestir, sem perceber que devia ser era paga para as usar. Vou ao mais gourmet possível e juro a pés juntos que faço uma equilibrada dieta biológica com produtos biologicamente processados.
Preciso de me entreter a cada segundo de espera do meu dia. Aborreço-me facilmente. Na verdade, não tenho paciência para pessoas. Na verdade, acabo de publicar que sou muito eu, na verdade o mal disto é a inveja de pessoas que não cultivam a minha admiração por mim, todos os dias. Na verdade, nem preciso de pessoas. Sou o máximo, digo, quando me fotografo ao espelho. Os grandes ditadores treinavam discursos ao espelho. Sou o meu produto de marketing, em boa verdade. A minha imagem está à venda.
Sou ultra-humana, supra-sumo, top dos tops para mim mesma. Nesse trono que construí para o meu avatar ou ego, aponto o dedo, os dedos cibernéticos todos aos amigos que não tenho, às pessoas que não conheço, à vida que não levo. Deviam seguir as regras. Deviam seguir as regras, deviam fazer pisca, não atirem priscas das janelas (e tiro, indignada, foto ao carro da frente, porque conduzo com o telefone em punho!), porque sim, as regras são para todos, excepto quando sou eu a infringi-las.
Porque eu sou excepcional, sou o máximo, sempre me disseram que era especial, diferente dos outros. Eu não tenho culpa, tenho motivos. E tenho uma frase cliché para cada bom dia, junto a uma foto de uma praia.
Agora a sério: não estaremos a levar-nos demasiado a sério? Fui à Noite Branca de Loulé. Eu e mais 80.000 pessoas. Quando a Sónia, dos “The Gift” apareceu no meio do público para cantar “Gaivota” receei por ela. Pareceu-me que qualquer movimento brusco da cantora podia resultar em “smartphone” alheio incrustado na testa. Decidi naquele momento, não registar uma única imagem do concerto. Porque sou do contra. Olhei à volta e ri. Felizmente, mais pessoas estavam a rir. E até isso é um pouco parvo, pois não faz diferença absolutamente nenhuma.
Selma Nunes