Ontem, enquanto via as notícias e aquela palhaçada do individuo com assento parlamentar contra a comunidade cigana portuguesa, vi também numa rede social as famílias de etnia cigana que tinham criado e contribuído para as caixas solidárias e banco alimentar.
Em Portugal há esquemas de corrupção de milhares de euros: bancários, fiscais, desportivos, corporativos, jurídicos, esquemas criminosos, assaltos, burlas, exploração, desumanidade, todas elas sem etnia específica, todas elas “made in Portugal” e um não pequeno número das mesmas estão a ir-nos ao bolso consecutivamente, dia a dia, sem que qualquer dedinho se levante contra.
Há portugueses e portuguesas por vontade, necessidade ou nem sei, permeáveis à corrupção, dedicadas ao roubo, à violação, à morte, à exploração, à loucura e à mediocridade. Isto sucede em todas as etnias e que podem e devem ser apanhados pela justiça. Em todo o lado há pessoas com piores intenções que outras.
Em todas as comunidades deste país há ladrões, assassinos, terroristas, abusadores, aproveitadores, sádicos, sedentos, avarentos, egoístas. Em todas as comunidades há pessoas que dão mais de si a várias causas que consideram justas e são heróis e heroínas, mais ou menos anónimas. E depois há aquelas pessoas que raramente têm representatividade suficiente para se poderem defender. Foi por isso que aplaudi a trivela de Quaresma. Era bom que houvesse mais Quaresmas que se levantassem contra estas coisas e provassem o contrário. Mais do que bom: importante. Sanidade mental num discurso que parece ter só uma direcção.
Há uns anos, quando eu não tinha prática de condução e temia manobras em ruas apertadas, meti-me por engano num beco sem saída. Quem me ajudou a fazer a manobra foi uma família que por acaso era cigana. Riram-se muito e eu também, da minha incompetência, ajudaram-me, perguntaram-me se queria bolo, estavam em festa. Uma situação normal, bem à portuguesa, na qual lembro dois estágios diferentes de vergonha. O primeiro, por não conseguir fazer a manobra sozinha, com confiança e o segundo, mais grave e paralisante, foi após ter ouvido a senhora mais velha dizer: “Ó X. vai ajudar a rapariga! Não se preocupe, menina, que não fazemos mal a ninguém!”. Nem tal coisa me passara pela cabeça. Não faria qualquer sentido, mas a senhora disse.
Tive vergonha que alguém que se prontificou a ajudar-me, sem obrigação de o fazer, sentisse necessidade de me dizer que eu estava a salvo. Imagine-se a ter de o dizer quase todos os dias. O privilégio pesa, se houver consciência. O Quaresma marcou. Porque nem todos aqueles que berram muito alto contra tudo e todos são detentores da verdade. Não querendo romantizar ninguém, sempre gostei de trivelas, com estas, então, deliro.
Selma Nunes