Recomendações a Doentes Oncológicos e Familiares/Cuidadores

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Nos últimos 10 anos, a Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) tem vindo a constituir, um pouco por todo o País, Unidades de Psico-Oncologia que atuam de forma descentralizada na prestação de apoio psicológico especializado ao doente e família – realizado por psicólogos clínicos com formação na área da oncologia – promovendo, por esta via, a acessibilidade a este tipo de cuidados.

Em consequência da pandemia por COVID-19, as consultas presenciais foram substituídas por teleconsultas, podendo ocorrer também por videochamada. As consultas de Psico-Oncologia podem ser solicitadas através do contacto com a Linha Cancro (808 255 255; [email protected]), que reencaminhará o pedido para a Unidade de Psico-Oncologia da LPCC da respetiva área de abrangência.

A atual pandemia que nos encontramos a vivenciar, que obrigou ao isolamento profilático durante várias semanas, conduziu a alterações profundas nas relações sociais e nos hábitos de vida e rotinas diárias, e induziu um grau considerável de medo, insegurança e ansiedade, na população em geral e em determinados grupos em particular, como os idosos, os prestadores de cuidados de saúde e as pessoas com condições de saúde crónicas, onde se incluem os doentes oncológicos.

Efetivamente, uma situação como esta representa um momento de crise, que requer esforços de adaptação e os doentes com cancro, encontram-se numa condição de maior vulnerabilidade:

Por um lado, correm maior risco físico de adoecer por Covid-19: doentes em tratamento ativo estão mais vulneráveis à doença porque têm a sua imunidade mais comprometida (imunodeprimidos); deslocam-se com mais frequência aos locais de saúde; e pertencem ao grupo etário de risco;

Por outro lado, encontram-se numa situação de duplo risco psicológico:

1) O diagnóstico de cancro impõe uma disrupção na vida de qualquer indivíduo, podendo, inclusivamente, vir a constituir um acontecimento traumático e vários fatores contribuem para assim seja, desde o choque de um diagnóstico inesperado e desconhecido; os eventuais efeitos secundários dos tratamentos que têm impacto na qualidade de vida (físico, emocional, íntimo e sexual); e ansiedade e a incerteza em relação ao futuro e ao prognóstico, que tende a manter-se ao longo de todo o período de sobrevivência.

2) A acrescentar a este sofrimento emocional, os doentes oncológicos têm agora de enfrentar desafios adicionais, o que intensifica ainda mais ansiedade e a insegurança, nomeadamente:

a) Preocupação em se protegerem do vírus, porque sabem que correm maior risco de contrair a doença na sua forma mais grave, o que pode diminuir a adesão terapêutica (doentes faltam deliberadamente a consultas / tratamentos.);

b) Incerteza relativamente à continuidade dos cuidados médicos (interrupção dos tratamentos, adiamento de consultas), o que lhes transmite a sensação de “abandono médico”;

c) Privação social, especialmente se morarem sozinhos ou estiverem em situação de internamento e poderem ser privados de receber visitas;

d) Adaptação às alterações nas rotinas diárias, de trabalho, familiares e de cuidados aos filhos e o impacto dessas alterações no futuro (por exemplo, medo desemprego);

e) Culpa pela sobrecarga que possam estar a causar aos seus familiares, pela privação da autonomia e necessidade de ajuda nas atividades da vida diária;

f) Requerem ainda maior preocupação os doentes com psicopatologia prévia (perturbações depressivas ou do foro psicótico); problemas familiares anteriores graves ou com dificuldades socioeconómicas.

A vivência cumulativa ou coocorrência destas preocupações, obriga a uma ativação ainda maior do nosso sistema de alerta e de vigilância que, de modo a maximizar a nossa capacidade de adaptação à situação ameaçadora (resiliência), irá reforçar os mecanismos internos de autoproteção, o que irá desencadear uma resposta de ansiedade, que irá repercutir-se, em pelo menos, 4 dimensões do nosso funcionamento:

− emocionalmente, pela sensação de medo e pânico;

− pensamentos, preocupação e ruminações;

− fisiológico (vegetativo); falta de ar, dor no peito, palpitações, suores, náuseas, tensão muscular, etc.

− comportamentos: fuga (evitamento), paralisia (apatia e inércia) ou luta (confronto).

A ansiedade é efetivamente uma resposta que tem por objetivo proteger-nos de situações de ameaça. Portanto, ela será positiva na medida em que nos protege, mas torna-se prejudicial quando é exagerada (o balanço entre exigências/ameaças e recursos do individuo está desequilibrado e pende mais para as exigências) e como tal, causa sofrimento, e/ou quando interfere com o nosso funcionamento ao impedir-nos de reagir, por exemplo, ou condiciona a tomada de decisões (p. ex. cancelar uma consulta médica ou desistir do tratamento, etc.). É importante ressalvar que estes comportamentos (fuga ou paralisia) não são necessariamente negativos, desde que não permaneçam como o único estilo de resposta do individuo e/ou permitam a reorganização interna para a adoção de comportamentos de confronto com a situação ameaçadora (por exemplo, sujeitar-se ao tratamento proposto, aderir às recomendações médicas, etc.)

E porque é importante regular (equilibrar) a ansiedade e outras emoções negativas (tristeza, angústia…)? Além da redução do mal-estar que pode ser invalidante, quanto mais saudáveis mentalmente nos sentirmos, melhor funcionará o nosso sistema imunitário e, como tal, menor será o risco de doença e incapacidade ou de sequelas e/ou melhor e mais rápida será a recuperação, o que é extremamente importante para os doentes oncológicos, sobretudo em fase de tratamento e de recuperação.

Neste sentido, a equipa de psicólogos da LPCC desenvolveu algumas recomendações que se baseiam em estratégias que se entendem serem facilitadoras dos processos de adaptação e que ajudam a reduzir o malestar, especialmente a ansiedade, e assim promovem a saúde psicológica neste período da pandemia COVID19, e sobretudo em situação de isolamento. São dirigidas aos doentes oncológicos, podendo ser úteis para todos os que se debatem com problemas de ansiedade:

1. É normal sentir-se triste, ansioso, confuso e até revoltado. Estas emoções são expectáveis em pessoas sem patologia prévia, ainda mais se podem esperar em pessoas com comorbilidade. Sempre que se sentir mais ativado emocionalmente, tente objetivar as suas emoções, medindo, por exemplo de 0 a 10, o grau de cada uma delas (ansiedade, irritação, tristeza, revolta..), como se de um termómetro se tratasse. Sempre que estiverem muito elevadas, utilize estratégias como o relaxamento ou meditação (há imensos vídeos que poderá aceder através da internet, por exemplo, na Associação Portuguesa para o Mindfulness). Estas estratégias são úteis porque mudam o foco da atenção para o momento presente, “aqui e o agora” e para a nossa respiração. Uma respiração lenta e profunda induzir uma diminuição do ritmo cardíaco, o que por sua vez conduz a um estado de relaxamento físico e mental.

2. As nossas preocupações são produtos dos nossos pensamentos que, nesta fase, são sobretudo negativos e aparecem de modo automático e intrusivo “Isto não vai correr bem. De certeza que vou ser infetado!”, “Vão telefonar-me a adiar o meu tratamento”, “Estou com febre, fui infetado”. Os pensamentos são apenas isso, pensamentos, que vêm à nossa mente e vão. Não são factos, efrequentemente não correspondem à realidade. É muito importante colocá-los em perspetiva, desafiálos (por exemplo, fazendo o teste de evidência). Ou então aceitá-los, admitindo que eles existem e diminuir o tempo em que se foca neles (estipular um horário e local onde eu me autorizo a pensar nos Pensamentos Automáticos Negativos). Muitos destes pensamentos aparecem sob a forma de medos e são antecipações de cenários futuros que muitas vezes não chegam a acontecer. Mas nós não vivemos no futuro; apenas podemos viver no momento presente e é no presente, e no que podemos fazer no “agora”, que nos devemos focar.

3. Procure manter-se positivo e confiante. Mantenha uma perspetiva otimista sobre o futuro, ainda que consciente das suas vicissitudes, portanto uma perspetiva realista “Nada dura para sempre e também a situação atual irá passar!”

4. Foque-se nos seus recursos, por exemplo, lembre-se de experiências negativas anteriores que conseguiu enfrentar com sucesso, incluindo o diagnóstico de cancro. Os recursos anteriores podem ser úteis atualmente para lidar com esta situação que todos atravessamos.

5. A informação é importante e útil se aumentar o nosso controlo sobre a ameaça. Todos devemos ter uma visão crítica em relação à informação veiculada na comunicação social, redes sociais e internet. Alguma informação é sensacionalista e pode não ser verdadeira. Procure informar-se através de fontes credíveis e fidedignas, nomeadamente as Entidades oficiais, como o Serviço Nacional de Saúde e a Direção Geral da Saúde. Pode também consultar informação importante no website da Sociedade Portuguesa de Oncologia, da Liga Portuguesa Contra o Cancro, da Ordem dos Psicólogos e dos Hospitais ou IPO onde é acompanhado;

6. Limite o tempo que passa a falar sobre o assunto e/ou a consumir informação. Não seremos capazes de processar toda a informação que absorvemos e isso causará uma sensação de falta de controle, desorientação e aumentar o medo (pânico).

7. Coloque em prática uma rotina diária (a rotina é estruturante na nossa vida) – manutenha, quanto possível, horários, hábitos de higiene e rituais diários, assim como tarefas domésticas e profissionais – dá uma sensação de maior tranquilidade de normalidade (sem ser demasiado rígido). Quando for possível saia um bocadinho para apanhar ar fresco, se tiver um jardim vá até lá, ou simplesmente sente-se à entrada de sua casa por uns momentos (mantendo sempre a distância de segurança para sua proteção e dos outros).

8. Mantenha um estilo de vida ativo e saudável. Procure dormir bem (entre 7h a 9h diárias), faça exercício físico regular e mantenha uma alimentação saudável e equilibrada. Não fume e não consuma álcool nem drogas na tentativa de lidar com as emoções negativas e as preocupações do dia-a-dia;

9. Procure distrair-se com atividades que lhe dão prazer/ou que o ajudem a relaxar, como por exemplo, ler um livro, ver filmes ou acompanhar uma série; aproveite para fazer coisas que há muito desejava fazer como experimentar receitas novas, selecionar roupas, reorganizar os armários, mudar a decoração de alguns espaços da sua casa, ou até fazer novas aprendizagens, por exemplo, escrever um diário, meditar, fazer exercícios de relaxamento ou trabalhos manuais, pintura, etc. Aproveite ainda este tempo para cuidar de si, para fortalecer a sua espiritualidade, focando-nos naquilo que dá sentido e significado à sua vida;

10.Passe tempo com a família e amigos. Mesmo sendo exigido um distanciamento social e a permanência em casa, aproveite para demonstrar o seu afeto a familiares e amigos através de mensagens, telefonemas e videochamadas. Por exemplo, escreva uma carta aos seus netos.

11.Sempre que sentir mais dificuldades, peça ajuda aqueles que lhe são mais próximos (compras, farmácia, acompanhamento hospitalar, etc.). Partilhe as suas preocupações e o que o está a deixar mais ansioso com aqueles que lhe são mais significativos; saber que não está sozinho e o ter alguém que o escute, pode ajudá-lo a lidar melhor com a situação.

12.Seja um agente ativo no seu tratamento: muitos doentes sentem-se apreensivos relativamente à continuidade do tratamento e/ou consultas de vigilância. Caso não tenha sido contatado pela sua equipa de saúde, tome a iniciativa desse contato para questionar se se mantém o que estava planeado (tenha sempre em local acessível os números de telefone para contactos urgentes). A segurança do doente é uma prioridade pelo que quaisquer decisões sobre cirurgia e outros tratamentos são baseadas na urgência e no nível de risco. Nalguns casos, pode ser mais seguro adiar o tratamento ou administrá-lo de forma diferente, para reduzir o risco de contágio. Nesta fase, é especialmente importante que o doente confie nas decisões terapêuticas que possam estar a ser tomadas, e colabore com a equipa de saúde. Em caso de teleconsulta, aproveite este momento no qual irá receber a atenção plena do seu médico para colocar as suas questões e esclarecer as suas dúvidas. A preparação prévia e a organização são aspetos essenciais, pelo que sugerimos que faça uma listagem com todas as questões a colocar. Caso necessite de medicação, nomeadamente medicação hospitalar, pode recebê-la no seu domicílio ou farmácia comunitária mais próxima da sua residência através da Operação Luz Verde. Os utentes podem pedir a entrega dos seus medicamentos hospitalares ao seu Hospital, Farmácia ou linha 1400 (chamada gratuita) ou também através da Linha Cancro (808 255 255).

13.Se as dificuldades persistirem, ou se sentir um agravamento dos sintomas, pode recorrer à ajuda de um psicólogo. A Liga Portuguesa Contra o Cancro disponibiliza um serviço gratuito de apoio psicológico dirigido aos doentes oncológicos e seus familiares e que poderá requerer através do contato com a Linha Cancro – 808 255 255) ou diretamente para cada um dos seus núcleos regionais.

Para Familiares e Cuidadores de doentes oncológicos

Os cuidadores dos doentes oncológicos encontram-se, igualmente, numa situação de grande fragilidade. Habitualmente colocam a sua vida em segundo plano, ou alteram todo o seu dia-a-dia para assegurar que o seu familiar ou amigo tem a assistência necessária, nomeadamente na higiene pessoal, na alimentação e nos cuidados de saúde básicos. Além disso, prestam também apoio na limpeza da casa, pagamento de contas, compras e idas à farmácia. Cuidar de um doente é uma tarefa muito exigente, com inúmeras responsabilidades, o que muito contribui para os níveis de fadiga e exaustação emocional que muitos acusam, nesta situação de pandemia e necessário isolamento as exigências são acrescidas, também pela necessidade de conciliar o seu autocuidado e proteção, com os cuidados a prestar ao seu familiar com cancro. Algumas recomendações para familiares e cuidadores de doentes oncológicos:

1. Seja tolerante consigo próprio: não conseguimos controlar tudo à nossa volta. É natural que se sinta exausto, desgastado e tenha momentos de revolta ou em que se sente incapaz. Aceite esses sentimentos e respeite as suas próprias necessidades.

2. Tente ser compreensivo e não personalize momentos de maior tensão e até de agressividade por parte do doente; mesmo perante uma situação de conflito, transmita calma na sua atuação;

3. Valide as reações emocionais da pessoa doente, mostrando-se disponível para escutar as preocupações, mesmo que realistas ou irrealistas, transmitindo segurança e esperança numa evolução positiva e retorno gradual ao quotidiano anterior;

4. Esteja atento à evolução do estado de saúde, monitorizando o cumprimento das orientações médicas, prescrições, horários de toma de medicação, refeições e, muito importante, de descanso; estabeleça também o contacto com as equipas de saúde em caso de dúvida ou necessidade de esclarecimentos adicionais. Tenha presente os sinais e sintomas identificados pelas autoridades sanitárias e se identificar algum, contacte o SNS 24 ou contacto hospitalar de emergência. Acompanhe o seu familiar nas deslocações para tratamento.

5. Procure que o doente se ocupe ao longo do dia com atividades que lhe dão prazer e apoie-o na concretização das mesmas e/ou nas necessárias adaptações ao estado de saúde ou limitações que ele possa ter. Por exemplo, acompanhá-lo um pouco à rua pode ser o suficiente para o confortar neste momento delicado, fazendo-o sentir-se a si mais útil. Estabeleça objetivos diários e semanais (dos mais fáceis aos mais difíceis); celebrem juntos as pequenas vitórias e avanços, reforçando a posição de vencedor;

6. Pratique com o seu familiar exercícios de respiração, relaxamento ou meditação guiada;

7. Promova os contactos sociais e a partilha com pessoas significativas; substitua gestos (físicos) de carinho por palavras afetuosas. Mesmo em situação de isolamento, é importante demonstrar afetos;

8. Não se esqueça de cuidar de si para cuidar do outro. Proteja-se, descanse e reserve algum momento durante o dia em que possa relaxar num local tranquilo, sem se sentir culpado por isso; faça exercício físico e mantenha uma alimentação saudável;

9. Peça ajuda se sentir que a situação está a ser demasiado exigente.

A todos aqueles que possam estar especialmente preocupados pelo facto de não ter sido possível a realização de algum tipo de rastreio ou exame de diagnóstico, é importante que contactem as unidades de saúde no caso de sintomas. Brevemente prevê-se o reinício dos programas de rastreio.

Por último, um reforço à responsabilidade individual de cada um de nós no controlo desta pandemia. Embora nos encontremos numa fase de maior alívio das medidas de contenção e de progressivo retorno à vida ativa e à normalidade possível, não podemos descurar os comportamentos preventivos ou reduzir os cuidados, muito pelo contrário. Temos de nos consciencializar que devemos manter, na medida do possível, o dever de recolhimento, e se tivermos de sair de casa, colocar em prática as medidas de higiene e de etiqueta respiratória, assim como o uso da máscara que, apesar da estranheza inicial inerente a qualquer processo de mudança, rapidamente passará a fazer parte do nosso dia-a-dia e nos habituaremos a ela.

Fontes:

American Cancer Socierty

Cancer Research UK

International Psycho-Oncology Society

National Cancer Control Programme

National Comprehensive Cancer Network

Ordem dos Psicólogos Portugueses

Sociedade Portuguesa de Oncologia

LPM

LigaPortCancro

 

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