Estamos em tempo quente. O Verão convida a bebidas frescas. A Ministra da Cultura convidou os jornalistas para o “drink” da “vernissage” de arte contemporânea onde estavam e o mundo parecia normal. Parecia, mas não estava. É que a pergunta era sobre a miséria a que estão votados os trabalhadores do meio artístico, somente segurados pela boa vontade de um grupo de colegas que arregaçaram as mangas para ajudar. Pergunta estranha ao evento, mas não se responde a isso com “drinks” a não ser se queira sabotar num belo fim de tarde, em directo.
E assim, o gesto de “sirvam-se”, que poderia ter sido bem-vindo e largamente apreciado, tornou-se um símbolo de insensibilidade fria e inalcançável, absoluto, semi-monárquico e como tal, desprovido de empatia. Uma ultrapassagem pela direita, sem pisca, a mais de trezentos quilómetros por hora, a si mesma. Compreendo que não era a altura, nem o contexto, mas uma Ministra não pode deixar-se rodear, nem apanhar assim! Não há como negar e mesmo tentando inserir a resposta no contexto, ficou mal, enleou-se toda nos anzóis.
É óbvio que tem havido uma campanha contra Graça Fonseca. É até natural. Pelos mesmos motivos de sempre e também pela sua resposta à tauromaquia, que irrita muita gente. Contudo, uma frase mal engerocada dita a direito em directo, naquele tom, num momento como este, os jornalistas de câmaras em riste, é pior que a campanha que aí anda, pois é auto-sabotagem. E com tanta gente a querer meter-lhe a estocada, fê-lo a si mesma, em segundos.
Já lá vão os tempos em que um “drink” era um convite simpático, numa tarde manhosa e quente de estio. Quando atravessamos uma crise pandémica que desboca numa crise económica sem precedentes, pessoas na miséria ou com imensas dificuldades, desemprego em catadupa, não se esperaria nem o tom, nem essa resposta. Não acredito que não se preocupe, até vêm aí apoios, e é óbvio que essas coisas não são para se discutir ao ar livre numa “vernissage”, contudo, há uma coisa que a política não pode ser: ingénua. Tem de ser ágil e não deve auto-sabotar-se. Os jornalistas farão sempre perguntas maçadoras e em sítios inconvenientes. É assim que funciona, sem referência ao que se bebe depois.
Selma Nunes