A Plataforma Água Sustentável (PAS) vem mostrar o seu desacordo com as informações de que o transvase de água do Pomarão e da construção de uma (ou várias) estação de dessalinização são soluções para o problema hídrico do Algarve. Estas soluções constam do Plano de Recuperação e Resiliência, candidatas a financiamento da chamada “Bazuca Europeia”.
O problema hídrico no Algarve advém de factos muito diversos como os que listamos de seguida:
- A situação das barragens mantém-se deficitária. Neste momento (jan 2021) segundo os dados do SNIRH o volume total útil armazenado nas 6 albufeiras do Algarve é de 225 hm3, abaixo do valor anual global de consumo no Algarve, exceção da barragem do Funcho, o volume armazenado no final do mês de janeiro é ainda baixo e muito inferior à média para o mesmo período;
A barragem de Bravura que é explorada pela Associação de Regantes e Beneficiários do Alvor, apresenta um nível de armazenamento preocupante e pode obrigar a aumentar a pressão sobre os aquíferos subterrâneos naquela zona;
- A situação dos recursos hídricos subterrâneos é preocupante –a ARH-APA Algarve não consegue obter dados exaustivos relativos à situação da água subterrânea, quer quanto ao número de captações, quer quanto aos volumes de água captados por cada furo. Desconhece-se, portanto, a disponibilidade real de água nos aquíferos subterrâneos;
A má qualidade da água nos aquíferos, quer por infiltrações dos nitratos usados na agricultura de regadio (Almancil, Campina de Faro, Mexilhoeira Grande e Tavira), quer por intrusão salina continua a ser um grande problema; a melhoria da qualidade da água dos aquíferos referidos, apesar de algumas medidas tomadas, tem sido muito lenta. Apesar disso, embora em 2020 não tenham sido autorizados novos furos nas 8 massas de água condicionadas, continuam a surgir novos furos de captação por estarem a ser concretizadas autorizações anteriormente existentes. Além disso não tem havido revisão dos títulos de utilização, nem por má qualidade da água, nem por baixo nível da água nos aquíferos.
- O consumo, sobretudo da agricultura, é alto – segundo informações da DRAPAlgarve, no Algarve, uma região com tão pouca água, a agricultura de regadio é o seu maior consumidor, responsável por quase 2/3 do consumo global anual de água no Algarve (muito, muito acima dos 44% de média da UE). O abacateiro é já a segunda cultura de regadio no Algarve, a seguir aos citrinos; estes produtos agrícolas, que consomem muita água, não se destinam à independência alimentar do País ou da região, são para exportação e trata-se de um negócio que beneficia empresas/empresários privados;
A situação de deficiência hídrica do Algarve é estrutural. Pode chover muito um ano, mas, globalmente, há diminuição da pluviosidade geral e consequentemente das suas reservas hídricas.
Esse carácter estrutural é reconhecido no PIAAC (junho de 2020), documento minuciosamente detalhado e fundamentado tecnicamente, elaborado por renomados especialistas, com o contributo constante de inúmeras organizações da sociedade civil. O PIAAC estabelece vários cenários, propõe a monitorização dos recursos hídricos e a adoção de soluções de acordo com a evolução da situação. Como medidas de curto e médio prazo propõe:
- Melhorar as políticas atuais (remodelar as infraestruturas de rega de modo a suprimir as perdas na rede e reduzir as necessidades de água nos espaços verdes urbanos)
- Implementar técnicas de retenção de água (paisagens de retenção de água, lagos artificiais, bacias de retenção, açudes e reservatórios)
- Reutilizar águas residuais
E considera que “caso o cenário climático venha a revelar-se o menos gravoso essas medidas serão suficientes para manter a disponibilidade hídrica atual até ao final do século”.
No PREHA (julho de 2020), é igualmente reconhecido, que “o agravamento da situação crítica que se verifica em toda a região do Algarve, tanto em termos meteorológicos, com temperaturas acima da média e precipitação muito abaixo da média, como em termos de disponibilidades hídricas… tornou imperativa a definição imediata de medidas” No entanto, para a definição dessas medidas, ignora olimpicamente quer a sociedade civil quer o PIAAC, e, via APA, é contratada uma equipa de “experts” para decidir entre várias “soluções”. Essa equipa, criada para elaborar o Estudo de Viabilidade das Medidas a longo prazo é composta por Pedro Cunha Serra, António Carmona Rodrigues e Rodrigo Proença de Oliveira. Ora, Carmona Rodrigues foi o responsável pelo projecto do Pomarão que a Algarfuturo apresentou e defendeu em diversas sessões no Algarve durante os anos de 2019-2020. Desse estudo só sobraram duas “soluções”, cuja necessidade fica por provar, mas com impactos ambientais e económicos muito elevados: a condução de água do Pomarão e a construção de (1, 2 ou 3) centrais de dessalinização.
Numa sessão, promovida pela APRH, foi reafirmada a informação de que a água do Pomarão, a ser custeado por dinheiros públicos, se destina ao uso agrícola privado, já que água captada no Pomarão será comercializada mais barata do que a obtida por dessalinização. Quanto à dessalinização, a ser implementada por empresas privadas, disponibilizará o m3 da água para consumo doméstico por um valor mais alto[viii], apesar da água ser um bem indispensável à vida e, por isso, um direito assegurado pelo Estado aos seus cidadãos.
Dinheiro públicos para negócios privados e negócios privados a lucrarem com o erário público ao arrepio dos direitos humanos.
Apelamos, pois, á participação na Consulta Pública, em curso até 1 de março próximo, sobre o Plano de Recuperação e Resiliência onde o transvase de água do Pomarão e a construção de uma (ou várias) estação de dessalinização no Algarve constam como medidas a financiar.
PAS