Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) – Participação Pública
Esta participação expressa não apenas a posição da associação cívica CIVIS, mas a posição conjunta das associações, ongas e movimentos de cidadãos que constituem a PAS- Plataforma Água Sustentável, plataforma que a CIVIS integra, e que é constituída pelas organizações:
Almargem – Associação de Defesa do património Cultural e Ambiental do Algarve
Água é vida – Movimento
A Rocha Portugal – Associação
Civis – Associação para o Aprofundamento da Cidadania
Faro 1540 – Associação de Defesa e Promoção do Património Ambiental e Cultural de Faro
Glocal Faro – Movimento
Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza
Regenerate – Associação de Protecção e Regeneração dos Ecossistemas
Nota Prévia
Congratulamo-nos com o facto do Plano de Recuperação e Resiliência de Portugal estar em fase avançada de elaboração.
No entanto, assinalamos a exiguidade do prazo de 15 dias da consulta pública. Efetivamente, 15 dias é um prazo absurdamente curto para analisar e fazer sugestões para um Plano que pode ser a última oportunidade para levarmos a cabo ações estruturantes que tornem o país capaz de ultrapassar a atual crise decorrente da pandemia e de se tornar mais resiliente, com uma resposta eficaz aos problemas sociais, económicos e ambientais existentes e previstos para o futuro.
Sobre o PRR
Um Plano Estrutural não pode ser mais um plano de obras públicas propondo uma “chuva” de obras só porque há dinheiro para as executar; tem que planear, com base em propostas com consistência científica e técnica, estabelecer prioridades e ações exequíveis para os prazos estabelecidos. No caso presente, o PRR tem por objetivo a recuperação económica e social, mediante reformas e investimentos exequíveis no curto prazo, mas de efeito estruturante[1]
Sobre a Componente C9 – Gestão Hídrica
Esta componente tem como objetivo: Mitigar a escassez hídrica e assegurar a resiliência dos territórios do Algarve, Alentejo e Madeira aos episódios de seca
Antecedentes
Centrando-nos no problema de escassez hídrica do Algarve, devemos assinalar que o problema é conhecido, estudado e tem soluções propostas para o ultrapassar pelo menos desde meados do século passado[2], sendo que essas soluções estruturais, como é suposto serem as iniciativas no âmbito do PRR, são intervir sobretudo na serra algarvia nas seguintes áreas:
- Conservação do solo, que, como é sabido, por intermédio da matéria orgânica, é o principal fator de retenção de pluviosidade e o maior sumidouro terrestre de carbono;
- Reflorestação com espécies endémicas, diversificadas e resilientes;
- Promover pequenas retenções de água, quer para abastecimento de pequenos regadios a jusante, quer para hidratação da paisagem envolvente e recarga de aquíferos subterrâneos.
Recentemente, foi apresentado um documento, o Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas PIAAC [Junho de 2019], encomendado pela AMAL[3]. O Plano foi elaborado por uma equipa de cientistas e especialistas de renome, teve a colaboração da Universidade do Algarve e a faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, demorou um ano a fazer, foi pago com o dinheiro dos contribuintes, e contou, nas suas várias etapas, com os contributos pro bonno de um leque alargado de representantes da sociedade civil.
Como medidas de curto e médio prazo propõe:
- Melhorar as políticas atuais (remodelar as infraestruturas de rega de modo a suprimir as perdas na rede e reduzir as necessidades de água nos espaços verdes urbanos)
- Implementar técnicas de retenção de água (paisagens de retenção de água, lagos artificiais, bacias de retenção, açudes e reservatórios)
- Reutilizar águas residuais
E considera que “caso o cenário climático venha a revelar-se o menos gravoso essas medidas serão suficientes para manter a disponibilidade hídrica atual até ao final do século”.
Quase simultaneamente, (Julho de 2020), foi apresentado o documento Bases do PREHA, da responsabilidade da APA[4], que lista uma série de medidas, sem ordem de prioridades, nem prazos de execução atribuídos. Para a definição dessas medidas, contou com os stakeholders interessados e ignorou olimpicamente quer a sociedade civil quer o PIAAC recentemente elaborado.
Entre as medidas definidas constam, entre outras:
1. Reduzir perdas de água na adução e distribuição;
2. Utilizar Água para Reutilização (ApR);
3. Construir, altear, interligar barragens, utilizar volume morto das albufeiras, ou implantar outras captações superficiais.
Apesar de não estar listado nas medidas principais considera que que se deve “promover a reflorestação com espécies endémicas ou autóctones, recorrendo às práticas de gestão adequadas”
Medidas Previstas no PRR
Foi, pois, com surpresa que verificámos que o PRR prevê para o Algarve na Componente C9 200 M€, a implementar exclusivamente sob a coordenação geral da APA com fundamento nas Bases do PREHA. Entre as várias medidas listadas incluem-se, entre outras, quer a Redução de Perdas de Água quer a reutilização de Águas Residuais, ambas previstas no PIAAC e no PREHA e com as quais concordamos.
No entanto, está igualmente previsto:
1. Aumentar a capacidade disponível e resiliência das albufeiras/sistemas de adução em alta existentes … designadamente pelo reforço das afluências à albufeira de Odeleite através de uma captação no rio Guadiana;
2. Promover a dessalinização de água do mar.
Ora, ambas as intervenções agora contempladas foram apresentadas no PREHA como possibilidades ainda a precisarem de ser avaliadas e, complementarmente têm os seguintes óbices:
No que respeita à captação no Rio Guadiana
– No âmbito do PREHA, via APA, foi contratada uma equipa de “experts” para elaborar o Estudo de Viabilidade das Medidas a longo prazo com objetivo de tomar decisões entre as várias “soluções” inicialmente preconizadas. Essa equipa de “experts”, integra Carmona Rodrigues que foi o responsável pelo projeto de captação de água no Guadiana – Pomarão que a Algarfuturo apresentou em 1ª mão e defendeu, anteriormente ao PREHA, em diversas sessões no Algarve, durante os anos de 2019-2020. Há, pois, um claro conflito de interesses entre uma ação que deve visar o bem comum (/PRR) e a defesa de interesses privados ao tentar viabilizar um projeto já pré formatado;
– A opção de captar água no Rio Guadiana carece, numa fase inicial, de estudar a sua fundamentação e viabilidade técnica, de estudos e avaliação dos impactos ambientais e dos impactos económicos, de negociações internacionais e será altamente lesiva para os ecossistemas dependentes desses caudais, sobretudo a jusante da captação;
– Há uma plantação recentemente instalada de abacates, de 600ha, em Ayamonte / Villablanca que vai buscar água diretamente ao embalse / barragem do Chança, alimentada pelo Rio Guadiana, que está localizada a montante da captação prevista. Só essa plantação retirará volumes de água de cerca de 14.000.000l / dia, ou seja 5.110.000.000l/ ano;
– Obrigará a um grande investimento público, atravessará uma área de grande sensibilidade ambiental e não garante uma efetiva disponibilização de água, já que todas as previsões apontam para a continuidade de baixas precipitações e consequente diminuição de caudais, que, mesmo a existir, terão muito provavelmente que ter luz verde de Espanha para ser utilizados.
Trata-se, pois, de uma não solução, que não será seguramente implementada no curto prazo, como é desiderato do PRR, não é uma opção que tenha garantida a disponibilização de água, e que, em última análise, em vez de aumentar a resiliência da Região vai tornar-nos mais dependentes de energia, aumentar a nossa pegada ecológica, e prejudicar ou mesmo extinguir os ecossistemas dependentes dos caudais excedentários que se pretendem captar.
Quanto à dessalinização
– Tem enormes impactos ambientais e cria o problema da deposição dos efluentes salinos;
– Não respeita o compromisso relativo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável assumido por Portugal com a ONU de alcançar o acesso universal e equitativo à água potável segura e acessível até 2030. Está previsto que a dessalinização seja entregue a empresas privadas, que serão compensadas sempre que não tenham necessidade de tratar e vender água, o que, aliado aos preços elevados da própria tecnologia, fará disparar o preço para o consumidor doméstico desse bem essencial à vida que é a água;
– Foi uma hipótese estudada no âmbito do PIAAC que a admite como eventualmente a analisar no longo prazo.
A escolha destas duas obras para o PRR, é agravada pelo facto, sistematicamente reafirmado pelos responsáveis oficiais, de que a água a captar no Guadiana, custeada por dinheiros públicos, se destina ao uso agrícola privado, e será comercializada a um preço mais baixo do que a obtida por dessalinização, destinada ao consumo público, mas proveniente de uma empresa privada ou em parceria público-privada.
Manifestamos a nossa discordância quanto à inclusão destas duas medidas no PRR
Conclusões e Proposta de Alteração ao PR
Sintetizando, estamos de acordo com as medidas que visam atingir efeito estruturante ao nível do combate às alterações climáticas e os investimentos em projetos de Transição Climática deveriam ser os mais significativos, como é a orientação da EU.
Discordamos das intervenções “Captação de Água no Guadiana” e “Dessalinização” pelas razões supra invocadas e porque não aceitamos que dinheiro públicos sejam aplicados para sustentar prioritariamente negócios privados e que negócios privados se perfilem para lucrar com o erário público, ao arrepio dos direitos humanos.
Nesse entendimento, propomos:
A retirada das medidas “Captação de Água no Guadiana” e “Dessalinização” da Componente C9 do PRR
E a inclusão, na mesma componente C9, das seguintes medidas:
1. Conservação do solo para otimizar a retenção de água pluviais, combater a erosão e promover o sequestro de carbono;
2. Reflorestação com espécies endémicas, diversificadas e resilientes recorrendo às práticas de gestão adequadas, sobretudo na serra e nas bacias hidrográficas (como é preconizado no PREHA);
3. Execução de pequenas retenções de água, quer para abastecimento de pequenos regadios a jusante, quer para hidratação da paisagem envolvente e recarga de aquíferos subterrâneos (como é preconizado no PIAAC)
Nota – junta-se um Dossier com informações que fundamentam as nossas afirmações
[1] https://www.publico.pt/2021/02/21/culturaipsilon/opiniao/resposta-volta-correio-carta-aberta-1951497
[2] Manuel Gomes Guerreiro, que relacionou o problema da água com os da erosão e da conservação da floresta em várias intervenções e obras, tais como, II Congresso Algarvio (Lisboa, 1951); a “Valorização da serra algarvia, a erosão, a cobertura vegetal e a água” (1951); “A floresta na conservação do solo e da água” (1963); O Algarve de Futuro na Perspetiva Ecológica, (Secretaria de Estado do Ambiente, 1977)
[3] Comunidade Intermunicipal do Algarve
[4] Agência Portuguesa do Ambiente, I.P
PAS