Lídia Jorge, convidada de honra, evocou memórias e o estado da democracia em Portugal.
As palavras da escritora Lídia Jorge marcaram, na manhã do passado domingo, a sessão comemorativa do 47º aniversário do 25 de Abril da Assembleia Municipal de Loulé. A convidada de honra do plenário inspirou tanto os presentes, como quem assistiu online, a refletir sobre o estado da democracia que em Portugal, passado quase meio século desde a Revolução.
Numa altura em que muitos colocam dúvidas sobre a importância de comemorar esta data, Lídia Jorge sustentou, desde logo, ser de toda a justiça a homenagem aos “5 mil rapazes que se meteram à estrada para fecharem um ciclo de 45 anos de Estado Novo, e poderiam nunca mais ter regressado a casa”, mas também “o verdadeiro abraço” entre estes e a população portuguesa já que “a ação dos militares interpretava a vontade coletiva de libertação de um povo”.
Apesar da imperfeição que “está à janela da democracia” e a insatisfação “que é o seu espelho”, para Lídia Jorge, valeu a pena esta luta “O regime da liberdade que o 25 de Abril proporcionou permite o óbvio: que nos esqueçamos de enumerar o privilégio que temos por sermos livres e que coloquemos o dedo nas feridas e que delas falemos publicamente”, ainda que existam feridas para sarar, das quais a principal reside na justiça.
Eleições livres, liberdade de expressão, liberdade de movimentos, separação de poderes, uma constituição justa, a Escola e acesso à Saúde para todos, os direitos das mulheres, mas também o fim do isolamento internacional de um país “que se tomava a si mesmo como cabeça de um império de fantasia” foram ganhos de uma democracia que assume, assim, ainda contornos de um “desenvolvimento débil”, mas onde é possível “inverter o curso dos factos” e em que a “reparação está sempre ao alcance das nossas mãos”.
Perante o “caldo cultural que o mundo moderno convocou”, Lídia Jorge chamou a atenção para a “sedução pelo populismo”. Neste âmbito relembrou o episódio que marcou o início deste ano nos Estados Unidos, o assalto ao Capitólio. “Em termos políticos, é possível regressar-se a sistemas não democráticos, desde há 20 anos que o assalto dos iliberais ao poder se verifica em espaços que não julgávamos assaltáveis como é o espaço ocidental”, ressalvou.
Autora de dois livros dedicados ao 25 de Abril, Lídia Jorge falou da força e vitalidade dos símbolos de Abril como o cravo vermelho,” flor do consenso”, que no cano de uma espingarda foi uma imagem que correu mundo, mas também o som das passadas que introduzem o “Grândola, Vila Morena”, hino da liberdade, tema emblemático da Revolução.
Curiosamente esta foi também a senha que confirmou o avanço das forças armadas na madrugada de 25 de abril de 1974, emitida pela Rádio Renascença e que teve como protagonista o jornalista e locutor louletano, Carlos Albino. “Loulé também está ligada a este dia de forma visível e simbolicamente com o laço maravilhoso de alguém que então era jovem e colocou à disposição a sua vida por esta causa”, relembrou, enaltecendo “todos aqueles que, nesta terra, por diferentes modos resistiram, emigraram, conspiraram, desejaram e contribuíram para que houvesse uma mudança efetiva”.
Corroborando as palavras da convidada, o presidente da Câmara de Loulé, Vítor Aleixo, falou da pertinência de continuar a comemorar a Revolução dos Cravos, não só por uma questão de “gratidão e memória”, mas também pela mensagem que deve ser transmitida às novas gerações.
Consciente de um certo desencanto e de alguma descrença que existem na sociedade portuguesa, o edil acredita que o sistema democrático “tem em si recursos bastantes para fazer voltar a sonhar todos os que se sentem atirados para as margens de uma vida indecente”. Como tal, é da opinião que novos caminhos e novas políticas serão capazes de “regenerar o prestígio e a confiança nas instituições democráticas”.
Assim, na esfera municipal, referiu algumas das ações que a Câmara de Loulé está a promover para “encontrar respostas para elevar o nível de confiança e de satisfação das pessoas”. Uma delas é a aposta no acesso à habitação a mais de 1000 famílias do concelho, até 2030, no âmbito da nova geração de políticas de habitação. O acordo com o IHRU celebrado ao abrigo do “1º Direito”, em outubro de 2020, teve novos desenvolvimentos nesta semana, com o lançamento da primeira pedra para a construção de 17 fogos na vila de Salir, a apresentação de projetos para a construção de mais 64 fogos em Loulé e para a recuperação e ampliação de mais 48 habitações degradadas, além da entrega das primeiras 22 chaves a famílias beneficiárias.
O autarca falou ainda da colaboração da administração local com as forças de segurança e proteção civil, a atuação nos domínios da saúde pública, educação, desporto e cultura, o combate às desigualdades económicas e à corrupção. Estes últimos, fatores que “minam os alicerces da democracia filha de Abril” e que, como adiantou, têm no Município de Loulé, um Plano de Prevenção de Riscos de Corrupção e Infrações Conexas, atualizado e em vigor, com monitorização anual assegurada por elementos exteriores à equipa de vereação.
Refira-se que esta sessão comemorativa ficou também marcada pelos discursos dos representantes dos grupos parlamentares com assento nesta Assembleia e com três momentos musicais protagonizados pela jovem artista louletana Catarina Cavaco.
GAP da CM Loulé