As políticas de mitigação das consequências das Alterações Climáticas não têm surtido efeito nos resultados positivos almejados por cidadãos e ambientalistas preocupados com esta problemática. Um exemplo disso é o actual modelo de transição energética adoptado pelo estado português e apoiado pela União Europeia, o qual revela inúmeros contrassensos, nomeadamente quando um pouco por todo o país se assiste ao licenciamento massivo de novas e gigantescas centrais fotovoltaicas e eólicas que se vão instalando com impactos desastrosos na paisagem, florestas, biodiversidade, sistemas hidrológicos, economia e democracia local.
Nos últimos anos, especialmente depois da COP21 e do acordo de Paris, as energias renováveis e a mobilidade eléctrica surgiram como uma luz ao fundo do túnel que nos prometia de alguma forma uma espécie de “salvação” civilizacional com vista ao fim gradual da era do carvão, dos hidrocarbonetos, petróleo e gás, bem como das guerras e impactos nefastos associados, um pouco por todo o planeta. A emergência climática é real e é indissociável da emergência ecológica. Os oceanos (recifes de coral, pradarias marinhas) o solo e as florestas são os principais sumidouros de dióxido de carbono do planeta mas no entanto continuam a ser devastados, nomeadamente por práticas de agricultura intensiva e inclusive por via da instalação de centrais de energias ditas renováveis, limpas e verdes que se assumem como determinantes para alcançar a tão clamada neutralidade carbónica ou o chamado carbono zero, mas cujo modelo de implementação se torna contraditório ao que preconizam.
As tecnologias verdes também contêm materiais raros que são extraídos e refinados por via de processos industriais altamente poluentes e tóxicos para a saúde e para o ambiente, contaminando as águas, os solos e a atmosfera e causando impactos desastrosos em muitos locais do Mundo. O planeta está a aquecer, mas aumentar a extração de materiais raros para dar resposta à demanda desenfreada e inconsequente do negócio das energias verdes, contaminando pelo caminho a atmosfera com materiais tóxicos e radioactivos, não parece a melhor solução para travar os impactos do aquecimento global e das alterações climáticas. Seria importante optar por uma transição energética descentralizada e ambientalmente alicerçada na redução dos consumos e dum modelo renovador de indústria circular, ao invés de se potenciar uma indústria meramente extrativista, cimentada fortemente no modelo capitalista, de obsolescência programada da sociedade de consumo. Atualmente assiste-se simplesmente a uma mera “relocalização da poluição”, da qual o que é publicitado como “verde”, em essência pouco tem de “verde” ou “democrático”. As grandes corporações extrativistas limitam-se a mudar a sua forma de comunicar com os consumidores mais privilegiados, porém mantêm o mesmo modelo insustentável de atuação. Precisamos diminuir as nossas emissões de CO2 na atmosfera mas, de nada nos serve, se para tal, continuamos a aumentar os níveis de poluição ambiental por meio da emissão de outros elementos tóxicos.
Quando multinacionais extrativistas se instalam, as populações não costumam ganhar nada com isso, pelo contrário. Em Portugal assistimos à “luta” do lítio, onde designadas paisagens agrícolas protegidas (UNESCO) e parques naturais (Rede Natura 2000) são completamente atropelados, bem como os preciosos serviços ecossistémicos que essas áreas prestam. Nestes processos, são ainda atropelados também os interesses e as decisões das populações locais que se vêm a braços com os muitos impactos ambientais que estas empresas forasteiras arrastam consigo. Os alegados impactos económicos positivos são praticamente nulos.
O progresso tecnológico não cessa. E as baterias que são hoje consideradas de “vanguarda”, passam amanhã a ser catalogadas como tecnologia “ultrapassada”, sendo substituídas por novas tecnologias mais modernas, mais limpas, funcionais e “sustentáveis”. Entretanto a avidez irrefletida deixa-nos como herança o rasto devastador da extração dos minérios necessários para as fabricar. Cada vez mais faz menos sentido, apostar numa só fonte de energia ou numa só tecnologia. Quanto mais diversificadas e limpas as fontes de energia forem e mais inteligente for o sistema que as orienta, melhor. Acima de tudo é fundamental que as fontes de energia sejam associadas à eficiência energética e subsequentemente à redução do consumo energético e, portanto, dos custos ambientais. A descentralização e estímulo aos pequenos sistemas electroprodutores para autoconsumo, e a sua desburocratização e facilitação, seriam uma enorme mais valia tanto ambiental como social, devendo chegar a todas as pessoas de forma legalmente mais acessível, sistemicamente mais económica, localmente resiliente e acima de tudo de forma mais independente, democrática e justa. Urge investir na busca de soluções, apostar antes na investigação e inovação.
A soberania energética está inevitavelmente alocada aos processos de participação que visam a democracia energética e ambiental das populações, sendo a justiça climática o pressuposto direito que a Humanidade mais cedo ou mais tarde vai ter de reivindicar. Isto se tencionamos alcançar as qualidades e requisitos necessários para sobreviver de forma simbiótica, sem sofrimento ou miséria, neste Planeta, o único que até à data conhecemos que possui as condições naturais necessárias para albergar e sustentar vida.
VIII Fórum Cidadania – Democracia Energética e Ambiental: Justiça climática
As sessões do Fórum Cidadania têm sido momentos de reflexão conjunta, nos quais convidados especializados e cidadãos comuns trabalham sobretudo temas importantes para a sociedade, ao mesmo tempo que contribuem, direta ou indiretamente, de forma sustentada, para a discussão de um modelo de revitalização que possa ser integrador e inovador para o CEAT – Centro de Experimentação Agrária de Tavira.
No próximo dia 30 de Maio, às 18h00, realizar-se-á uma sessão de reflexão com o título “Democracia Energética e Ambiental: Justiça climática” sendo esta a oitava sessão dos fóruns de Cidadania, promovidos pelo movimento Cidadãos pelo CEAT e Hortas Urbanas de Tavira.
A sessão debruça-se sobre os seguintes subtemas: recursos geológicos: ambiente e pessoas; energias renováveis e democracia; eficiência energética; Inovação tecnológica e transição energética; Agricultura de carbono; Floresta, água e biodiversidade; “greenwashing” e carbono zero; e conta com a presença de Elisabete Cruz (Formada em Gestão, cidadã natural de Montalegre), Manuel Vieira (Doutorando em Biologia; Co-fundador da PALP- Plataforma Algarve Livre de Petróleo), Amanda McGregor (Ambientalista, PROBAAL), Jorge Gonçalves (Presidente da Cooperativa Minga e Consultor da WindEmpower); Guilherme Luz (Investigador, doutorando na FCUL, Cooperador em Energias Renováveis); António Pina (Investigador, Coopernico Algarve), Nídia Braz (Bióloga, Professora Universitária; PAS-Plataforma Água Sustentável); Nuno Belchior (Agricultor e especialista em agricultura circular e de baixa emissão de carbono); Simon Pannett (Investigador, Coopernico Algarve); e Inês Campos (Coordenadora do projeto PROSEU e investigadora na FCUL-Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa );