Jacqueline Audry foi uma das mais produtivas realizadoras do Século XX, assinando uma obra que olha, de forma atenta, a perspectiva feminina no cinema através, sobretudo, de personagens marcadas pela emancipação. Entre os dias 8 e 20 de outubro, a 22ª Festa do Cinema Francês e a Cinemateca Portuguesa apresentam uma retrospectiva sobre um dos nomes que importa redescobrir na história do cinema do país. Presente em Lisboa, para fazer a apresentação de todo o programa, estará Brigitte Rollet, investigadora e professora em estudos de cinema e media e autora de diversas obras sobre cinema francês.
Sendo a única mulher com uma produção regular de cinema na França da época – uma curta documental e dezasseis longas de ficção realizadas entre 1943 e 1969 – Jacqueline Audry atravessou a cronologia do cinema francês sob Ocupação, o da Quarta República e o da Nouvelle Vague. Desalinhada do cinema francês do pós-guerra e da posterior vaga trazida pelos “jovens turcos” dos Cahiers du cinéma (“Demasiado libertina para a crítica dos anos 1950, demasiado ‘qualité française’ para a Nouvelle Vague, nota Tania Capron), desapareceu do radar nas décadas seguintes, sem que se notasse a marca da irreverência sob o filtro cuidado das produções.
A atitude livre, a perspetiva transgressora, a sexualidade, um olhar feminista (historicamente situado no rasto da vanguarda de Germaine Dulac) estão presentes na filmografia de Jacqueline Audry que sublinha o perfil irreverente das suas protagonistas – quase invariavelmente mulheres –, mas também um sentido de mise-en-scène, a curiosidade da alegria e do humor, um trabalho inspirado com os intérpretes. Inclinada para a subversão dos códigos, a sua obra abarca a disparidade do filme de época (com predileção pela Belle Époque), da comédia dramática, “de capa e espada”, do road movie. Sobre o percurso firmado num mundo eminentemente masculino, Audry sintetizou: “Toda a minha vida profissional foi uma espécie de torneio, tive de guerrear muito.” Sobre os filmes, notou retrospetivamente como “tiveram por objeto as relações passionais entre os seres”.
A obra de Audry tem reclamado a atenção em anos recentes, seja graças aos esforços de realizadores como Bertrand Tavernier e Mark Cousins, seja à digitalização e consequente divulgação alargada do seu filme Olivia, seja a estudos como o que lhe dedicou Brigitte Rollet (Jacqueline Audry : La femme à la caméra, 2015), que nota como “Jacqueline Audry encarna o exemplo típico de uma cineasta à frente dos costumes e práticas do seu tempo”. É também Rollet quem assinala o traço do anticonformismo e sintetiza: “A cineasta dá início [nos seus primeiros trabalhos realizados durante a guerra e no imediato pós-guerra] a um jogo constante com as aparências, os papéis e as identidades, quer se trate da liberdade mantida com os textos adaptados, com os géneros cinematográficos escolhidos ou com a espécie de jogo das escondidas que é tentador resumir deste modo: estar simultaneamente onde é esperado e frustrar as expectativas.”
Num primeiro olhar da obra de Jacqueline Audry em Portugal (onde apenas dois dos seus filmes estrearam comercialmente: Adão Teve Culpa, 1957, e O Segredo do Cavaleiro, 1959) a retrospectiva integra os 7 títulos atualmente disponíveis para projeção.
A Festa do Cinema Francês é organizada pela produtora Jangada, apoiada pela Embaixada de França e o Institut français du Portugal, em parceria com a rede das Alliances Françaises em Portugal. A 22ª edição do festival decorrerá nas seguintes datas: Lisboa (7 a 20 de outubro), Almada (12 a 16 de outubro), Oeiras (9, 10, 16, 17, 18 e 19 de outubro), Coimbra (12 a 16 de outubro), Porto (19 a 27 de Outubro), Braga (21 a 24 de outubro), Évora (28 a 31 de outubro), Viseu (28 a 31 de outubro) e Faro (21 a 24 de outubro).
SC