Foi recentemente anunciada a criação no Algarve do primeiro aproveitamento hidroagrícola de múltiplas origens do país [1].
Em declarações públicas do Diretor Regional da Agricultura e Pescas do Algarve (DRAP Alg) é afirmado que o projeto piloto anunciado pretende investir 3 a 4 milhões de Euros de dinheiros públicos para beneficiar 500 a 600 ha, incluindo 2 grandes explorações de monocultura de abacates.
O investimento consiste em obras a levar a cabo no âmbito do PRR- Plano de Recuperação e Resiliência, e a água a utilizar na agricultura terá 3 origens diferentes: utilização de águas residuais tratadas da ETAR de Vila Real de Santo António, requalificação e utilização de furos, que não estavam a ser usados e que serão recuperados, e água das barragens do sistema Beliche – Odeleite, cuja capacidade pensam aumentar com o transvase do Pomarão.
É referida também a dessalinizadora, igualmente prevista no PRR, que “…. liberta consumo por parte de outros utilizadores … a água disponível nas barragens “fica mais para a agricultura”.
Ou seja, a água da barragem e de aquíferos subterrâneos, de melhor qualidade e mais barata, irá servir os interesses da agricultura intensiva. Em contrapartida, a dessalinizadora, que disponibiliza água de mais baixa qualidade e muito mais cara, fica para consumo humano, onerando as despesas das famílias.
O que se perfila é que, em vez de se adaptar os consumos aos recursos hídricos que temos, a pretexto de uma pretensa eficiência hídrica e económica, se vão consumir e poluir as águas dos aquíferos do Sotavento que deveriam ser preservadas e constituir uma reserva estratégica para consumo humano,
Endereçamos, pois, à Direção Regional de Agricultura e Pescas e aos seus parceiros neste investimento, nomeadamente à APA, algumas perguntas que se nos afiguram pertinentes:
– A área agrícola a beneficiar existe, ou vai ser criada e/ou alargada?
– Onde precisamente se encontram geolocalizados os 600 ha mencionados?
– Como se chamam as duas grandes empresas a beneficiarcom este sistema?
– São empresas com sede em Portugal?
– As empresas a beneficiar são detentoras de TURH (Títulos de Utilização de Recursos Hídricos) válidos?
– Em que seção do Plano de Eficiência Hídrica do Algarve- PREHA vem descrito este projeto como uma das “intervenções mais estruturais” como afirma a DRAP Algarve?
– As orientações da CE sobre a inadequação de investimento em plantas com exigências hídricas elevadas e inadequadas às capacidades hídricas de uma determinada zona foram tomadas em consideração?
– Este aproveitamento hidroagrícola de múltiplas origens respeita o Plano Nacional de (água) gestão integrada de recursos hídricos?
– Será acatada a exigência de cumprir um Plano de Gestão de Rega e de Uso de Fertilizantes e Pesticidas, especialmente importante no caso de explorações com culturas inadaptadas às características climáticas do Algarve?
– Haverá, sobretudo nas grandes explorações a beneficiar, uma atenção especial na implementação das medidas de regulação, monitorização e fiscalização da eficiência hídrica nas origens do consumo agrícola?
– Os normativos da RAN, da REN e eventualmente da Rede Natura 2000 nessa área de 600 ha a beneficiar, são respeitados?
– Há um Estudo e uma Avaliação de Impacto Ambiental para esse aproveitamento hidroagrícola?
A PAS[2] insta as entidades responsáveis a responder publicamente a estas perguntas e manifesta o mais profundo desagrado e oposição à operacionalização do investimento para este “primeiro aproveitamento hidroagrícola de múltiplas origens do país”, porque pretende gastar o dinheiro que é de todos para, aparentemente, beneficiar maioritariamente duas empresas privadas em prejuízo do interesse público e hipotecando o futuro das novas gerações.
[1] primeiro-aproveitamento-hidroagricola-de-multiplas-origens-do-pais
[2] A PAS, Plataforma Água Sustentável, é constituída por A Rocha Portugal, Água é Vida, Almargem – Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental do Algarve, CIVIS – Associação para o Aprofundamento da Cidadania, Ecotopia Activa, FALA-Forum Ambiental do Litoral Alentejano, Faro 1540- Associação de Defesa e Promoção do Património Ambiental e Cultural de Faro, Glocal Faro, LPN – Associação Nacional de Conservação da Natureza, ProBaal, Quercus, Regenerarte- Associação de Proteção e Regeneração dos Ecossistemas e Associação.
PAS