O Natal não está assim tão longe que não se possa, ainda, falar dele. É que a história desta minha crónica começa com um vídeo, que foi partilhado nas redes sociais pela mulher do nosso tão amado jogador, Cristiano Ronaldo. Nele, dá-se conta que a senhora oferece ao companheiro um carro de grande valor económico (não vou fazer publicidade à marca), de alto luxo. Vê-se, ainda, as prendas que foram dadas aos filhos e, curiosamente, ao invés de termos aquela imagem da família a ajudar as crianças a desfazer os embrulhos, junto à lareira, com a mesma alegria de quando eram meninos, vemos várias outras pessoas a fazer esse papel, colocando em ordem os brinquedos, para que, depois, os meninos e meninas os usem.
Não tenho nada a ver com o que cada um gasta ou deixa de gastar em prendas, se tem assistentes, até para desfazer embrulhos e se prefere viver uma festa tão absolutamente ligada às emoções e afetos, desse modo que me parece frio, mas choca-me ver a exposição tão ostensiva da riqueza. Não vejo nesta pessoa (e em quem o rodeia) o menino que nasceu pobre na Ilha da Madeira e aí passou por grandes dificuldades. Não vejo a modéstia dos primeiros sucessos. Não vejo o brilho da simplicidade que dá uma enormidade ainda maior a quem já é grande…
É uma riqueza que tem falta daquela “riqueza”, sabem? E se fosse plena dela, por certo haveria outras preocupações, outras emoções, outras ações… Que fossem mais generosas e consistentes com a humanidade que se celebra na vinda de um Menino pobre, um Menino que deu a vida por nós, porque era profundamente rico. De Amor.
Por outro lado, um amigo sacerdote fez, há dias, um apelo público para que os seus paroquianos e residentes pudessem colaborar nas muitas obras que são necessárias fazer nas suas Igrejas, na sequência, note-se, de publicações de pessoas dessa localidade, que vociferavam contra o estado do património e a inércia na sua conservação. Tem mais de 20 templos a seu cargo. Quando chegou à paróquia, apercebeu-se do estado em que estavam e a sua preocupação tem sido grande, procurando reabilitar património e gerando meios próprios para o fazer. Criou empregos. Uma loja, onde qualquer um, ao comprar um objeto, está a contribuir para esse fim. Ultrapassou a pandemia com grandes dificuldades e, claro está, teve mesmo de intervir em alguns espaços, que não receberam cuidados durante longos anos e, agora, revelam infiltrações e outras patologias que podem colocar em risco a sua estabilidade.
Reação da vozearia local nas redes sociais: “aqui-d’el-rei”, porque o Vaticano é rico e deveriam era ter vergonha de pedir dinheiro, em tempos de vacas magras, quando precisavam era de ajudar os pobres!
Que sabem estas pessoas sobre riqueza? Que riqueza se esconde dentro destas cabeças e corações, que culpabilizam permanentemente, sem saber o que dizem, sem fundamentar as suas “opiniões”, senão em pseudo factos, ou pseudo certezas, que tantas vezes não são nada mais que preconceitos profundos e detestáveis? Criticam a instituição, porque a consideram conservadora, incapaz, materialista. Foram conhecer o projeto? Sabem que dá trabalho a pessoas desempregadas de longa duração, ou pessoas com deficiências? Sabem que a reboque deste conceito, nascem outros, que permitirão dar a conhecer património e preservá-lo? Sabem que a Igreja no seu todo é, provavelmente, a instituição no mundo que mais cuida do património e cultura, que todos gostamos de dizer que é nossa e queremos que se preserve? O sacerdote pede ajuda aos paroquianos? Porque não? Não são quem usufrui do espaço? Não deveria ser iniciativa própria? Havia tanto para dizer e perguntar, sobretudo aos amantíssimos da sua terra e das suas coisas, que só o são quando usam as teclas para escrever mensagens e comentários meramente improdutivos e ocos…
Se calhar aplaudiram o vídeo do Natal na casa do nosso jogador estrela, que gasta em poucos minutos, dezenas, centenas de milhares de euros, mas não têm capacidade para atingir e compreender as dificuldades de quem tem de gerir um quadro destes com um magro orçamento e que, ainda por cima, é incomodado, vilipendiado, enxovalhado pelas matilhas de profissionais do “apontar o dedo ao outro”, que se reúnem nas redes sociais para se sentirem alguém.
Estas são, para mim, duas riquezas conflituantes, que não têm relação uma com a outra: a “riqueza” do querer fazer, para que os outros usufruam e a do querer ter, para usufruir. Qual é a que queremos para modelar o mundo que vamos deixar a gerações futuras? Eu sei a que prefiro e sinto-me cada vez mais só.
Será girafa ou elefante?!…. Assim anda este nosso mundo.
Sandra Cortes-Moreira *
* Licenciada em Comunicação Social, pela FCSH da Un. Nova de Lisboa, Mestre em Comunicação Educacional, pelas Faculdades de Letras e de Ciências Humanas e Sociais das Un. de Lisboa e Algarve e Mestre em La Educación en la Sociedad Multicultural pela Universidad de Huelva. É doutoranda em Educomunicación y Alfabetización Mediática do Doutoramento Interuniversitário em Comunicação, pela Universidade de Huelva/Espanha, sendo o seu tema de investigação a Turism Literacy.
Técnica Superior de Línguas e Comunicação na Câmara Municipal de Faro, é também Assessora do Gabinete de Informação da Diocese do Algarve, membro da equipa da Pastoral Diocesana do Turismo e secretária da Pastoral do Turismo – Portugal (PTP