Querença | ‘Percurso Eco-Botânico MGG’ vai ser Inaugurado pelo General Ramalho Eanes

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O General Ramalho Eanes, antigo presidente da República, estará em Querença, Loulé, a 10 de Março, pelas 14h30, para inaugurar o Percurso Eco-Botânico Manuel Gomes Guerreiro (PEB-MGG), o primeiro a nível nacional exclusivamente dedicado à flora mediterrânica.

A obra, que ocupa uma área de hectare e meio, foi projetada por um dos arquitetos paisagistas portugueses mais reputados, Fernando Santos Pessoa, e desenvolve-se numa encosta virada a sul, integrando mais de uma centena de espécies, algumas delas protegidas ou em vias de extinção, incluindo árvores e arbustos, plantas medicinais, herbáceas e bolbosas. A consultoria científica é de Jorge Paiva, biólogo premiado e que deu nome a novas espécies para a Ciência, e que estará presente na inauguração.

Há vários anos que Fernando Pessoa, “herdeiro” do legado de Gonçalo Ribeiro Telles, assiste à desertificação do interior. Ao abandono da serra, da agricultura e da arquitetura hídrica, e às implicações na paisagem. São alterações demográficas que se somam às climáticas. Crente de que as comunidades podem intervir positivamente na paisagem, como parte integrante da Natureza, Fernando Pessoa resolveu “dar uma mãozinha”, cavando, juntando pedras, buscando sementes e criando condições para reorganizar e recuperar a paisagem.

Fernando (Santos) Pessoa, o poeta da paisagem

O engenheiro silvicultor e arquiteto paisagista, cujo papel tem passado algo despercebido junto do grande público, tem um palmarés invejável. Foi ele o fundador do Serviço de Parques, Reservas e Património Paisagístico, atual Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, introduzindo em Portugal os conceitos de parque natural e de paisagem protegida. Foi também ele o fundador do Curso de Arquitetura Paisagista na Universidade do Algarve. Em 1995, recebeu o grau de Comendador da Ordem Infante D. Henrique pelo seu papel na defesa e preservação ambiental.

Agora, em Querença, resultado de uma colaboração de longa data com a Fundação Manuel Viegas Guerreiro (FMVG), vê por fim inaugurado um dos seus trabalhos mais marcantes, pela mensagem que anuncia: o PEB-MGG, projetado em co-autoria com dois discípulos: João Marum e João Rodrigues.

«A melhor maneira de o homenagear não é uma estátua. É fazer um contributo da flora local e dedicar-lhe, porque foi a pessoa que mais fez por isso», adianta Fernando Pessoa, recordando a importância daquele que terá sido um dos primeiros ecologistas em Portugal, o académico Gomes Guerreiro. Com vasta obra publicada, foi o primeiro Secretário de Estado do Ambiente no I Governo Constitucional, em 1976, liderado por Mário Soares e tendo Ramalho Eanes como Presidente da República.

Gomes Guerreiro, nascido em Querença (e que, apesar do apelido, não era parente do etnólogo Manuel Viegas Guerreiro, patrono da Fundação) foi também o primeiro Reitor da Universidade do Algarve, que ajudou a fundar. Há quase meio século atrás, já o investigador e ambientalista avisava sobre o consumo excessivo, a visão antropocêntrica e o impacto de muitas das decisões políticas e económicas a nível global, contrárias à sustentabilidade.

«O Homem, ao libertar-se dos sistemas constituídos na Biosfera, não conquistou a independência que sonhou e muito menos o domínio sobre a Natureza de que por vezes se arrogou», afirmava, num programa na RTP, a 6 de Setembro de 1977. E acrescentava: «De facto, a filosofia da abundância, consequência de um consumo imoderado de materiais, de energia e de recursos, normalmente por privilegiados, promete transformar-se brutalmente em perspetiva de penúria, o que hoje já alarma pessoas tão bem colocadas como os sócios do Clube de Roma.»

Fernando Pessoa, amante da flora mediterrânica e defensor da possibilidade de equilíbrio entre a acção humana e a preservação dos ecossistemas, quer mostrar que é possível plantar contra a maré.

«Isto será mais um núcleo representativo da flora que é capaz de resistir – esperemos – às alterações climáticas que estão anunciadas há décadas, mas em que ninguém acreditava. É a única salvação para isto não ser um deserto». A escolha quase exclusiva de plantas autóctones, preparadas para períodos de estio e grandes amplitudes térmicas, permite-lhe quase não necessitar de rega ao longo do ano.

O jardim in situ – de entrada gratuita – situa-se a sul da FMVG, junto ao restaurante A Tasquinha do Lagar. A inauguração era para ter acontecido em 2020, com a presença dos mesmos intervenientes, mas a 10 dias da cerimónia, foi adiada devido à pandemia da covid-19.

Agora, também em Março, será finalmente possível visitar as múltiplas espécies de flora característica da região do Algarve e do Mediterrâneo, com um bónus adicional. Muitas das plantas, arbustos e árvores têm, para além da identificação, um QR Code que permite obter no telemóvel ou tablet informação científica adicional sobre cada uma delas, através de uma aplicação desenvolvida pela Universidade do Algarve. Alguns QR Codes disponibilizam vídeos que servem de enquadramento não só à flora como a personalidades relacionadas com o percurso, caso de Manuel Gomes Guerreiro, Fernando dos Santos Pessoa ou Filipa Faísca, guardiã da tradição oral de Querença. Os vídeos estão também disponíveis no canal de Youtube da FMVG.

A comunidade, ligada à terra, em tamanho real

Implantada há 20 anos no interior do concelho de Loulé, a FMVG tem como um dos objetivos, além da preservação do espólio do patrono e da criação de um fundo regional de livros, a ligação ao tecido local, mantendo a proximidade com as gentes que habitam o território. Daí que, aproveitando a ocasião, acreditando que a Natureza também se faz com os homens e as mulheres, a Fundação inaugura uma instalação artística com 40 fotografias de personalidades de Querença, em tamanho real. Cada uma delas segura um objeto que a identifica ou que faz a ligação aos ofícios. A exposição, intitulada Qrença na Paisagem, da autoria de Marinela Malveiro com fotografia de Filipe da Palma, ficará patente no exterior, no Jardim das Oliveiras, entre a FMVG e o PEB-MGG.

Patente também, mas no interior, uma exposição sobre Manuel Gomes Guerreiro, intitulada PEB-MGG: Humanismo e Ecologia, organizada por Maria Mackaaij, a partir do acervo bibliográfico do Centro de Estudos Algarvios Luís Guerreiro, que a Fundação acolhe.

Semear, esperar e ganhar raízes

Pretende-se que o projecto, que demorou vários anos a implementar, venha a criar raízes entre residentes e visitantes que assim têm mais um incentivo para visitar o interior e aprender algo mais sobre a flora e as tradições locais. Mas a ideia é que também as escolas e as universidades possam beneficiar com visitas de estudo, num mix que junta o exercício físico ao longo da encosta, o ar puro do Barrocal e a tecnologia, com a utilização pedagógica dos gadgets para saber mais.

Não por acaso, na raiz do projecto esteve também a conceção de uma peça artística – um videoclipe com uma composição original da harpista Helena Madeira (música, poema e voz) e com a participação da bailarina e coreógrafa Inês Mestrinho – que sintonizam a ligação com a Natureza. O videoclipe, com imagem de Eduardo Sousa, chama-se… A Raiz e será apresentado ao vivo no dia da inauguração, a que se seguirá um conjunto de breves intervenções, incluindo a participação de João Guerreiro, professor catedrático da Universidade do Algarve e ex-Reitor da UAlg, filho do homenageado. Jorge Paiva lança o alerta “Portugal Dendrodescoberto e a perda da biodiversidade e da água”.

Honrando o amigo Gomes Guerreiro, o General Ramalho Eanes eleva o dia, encerrando a cerimónia, à qual assistirá também a esposa Manuela Eanes que deixará plantada uma oliveira naquele que é o único jardim mediterrânico in situ do Algarve, numa metáfora de continuidade já que será parceira de uma outra, milenar, com 1.575 anos e entretanto certificada.

Orçado em mais de 200 mil euros, o PEB-MGG é financiado pelo Programa CRESC Algarve 2020, no âmbito do FEDER – Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional. A Câmara Municipal de Loulé é parceira e co-financia o projecto.

FMVG