Museu de Portimão | Apresentação do Livro “Sardinha” o sem fim da Pesca do Cerco

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Durante quatro anos, no âmbito de uma residência artística na Póvoa de Varzim, percorreu o mar português a bordo de várias embarcações, a partir de quase todos os portos de pesca do país, acompanhando a vida no mar de muitas tripulações. Uma viagem sem guião, que coloca em evidência a dimensão nacional da pesca da sardinha, a pesca das pescas do mar português, mas também uma saga humana pouco mais do que invisível, a não ser quando há notícia de naufrágios ou quando se reabrem os debates sobre a escassez do recurso.

Com lançamento marcado para sábado, 22 de abril, às 17 horas, no Museu de Portimão, numa organização da Confraria Gastronómica da Sardinha de Portimão, este livro procura documentar e homenagear as artes e os homens do mar da sardinha.

Sardinha, o sem fim da pesca do cerco é um projeto de fotografia documental, enquadrado na residência artística MAR|PVZ|19/20, realizada com o apoio da Câmara Municipal de Póvoa de Varzim. Esta publicação procura documentar aquela que é a arte de pesca mais importante em Portugal. O cerco integra a pesca da sardinha – símbolo bem português, centro das festas populares e principal espécie da indústria conserveira – mas não só, pois abrange espécies como a cavala, o carapau ou o biqueirão. Sendo uma publicação sobre a pesca, é inevitavelmente sobre as suas tripulações também: um contributo para o reconhecimento dos homens que passam as noites no mar atrás de um peixe que teima em escapar e que, tantas vezes, regressam sem sustento para os dias seguintes.

Um registo no limite do tempo

O que iria ser um livro sobre a pesca da sardinha, acabou por se tornar num estudo sobre a pesca do cerco; o que se iria centrar na Póvoa de Varzim, Vila do Conde e Matosinhos, acabou por se estender a todo o país….

Durante quatro anos (2018–2022), a partir de embarcações sediadas no norte do país, percorreu o mar português a bordo de vários de barcos, a partir de quase todos os portos, acompanhando a vida no mar de muitas tripulações, com atenção à dimensão holística do fenómeno das pescas e aos grandes debates atuais sobre a sustentabilidade da vida marinha.

Portos, lotas, armazéns, linhas de costa, mares e amuradas de embarcações, foram os pontos de escala desta viagem sem guião, que coloca em evidência a dimensão nacional da pesca da sardinha e a natureza móvel dos seus fatores de produção. Este é, aliás, um registo no limite do tempo. Num tempo em que a literacia dos oceanos se mostra mais indispensável do que nunca para travar os impactos sobre o planeta, é urgente pensar num futuro baseado numa nova economia do mar. E renovar o olhar sobre a pesca do cerco, que é, como sempre foi, uma luta entre a sobrevivência de uma espécie e a subsistência da outra.

Da autoria de Hélder Luís, fotógrafo, designer e artista multimédia, também ele poveiro, criado no coração da comunidade piscatória, o livro conta com os contributos científicos de Álvaro Garrido, professor catedrático e diretor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, e de Diana Feijó, técnica do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, a par das ilustrações científicas de Pedro Salgado, biólogo.

Os pescadores do cerco vão para onde o peixe vai. Idealmente, haverá sardinha perto de casa e, na sua maioria, os barcos vão para o mar à noite e voltam ao romper da manhã. O breve regresso a casa faz-se depois de descarregado e vendido o peixe e de munido o barco com combustível e gelo para o dia seguinte. Quando assim não é, os pescadores migram atrás do peixe, perseguindo-o pelo país fora, por vezes optando por não ter um porto fixo, durante meses longe de casa. A pesca do cerco é mesmo assim, longe do lar, nos barcos-casa, quase sem parar.

Mas o trabalho do cerco não acontece apenas no mar. Em terra, há muito trabalho feito antes, durante e depois da pesca propriamente dita, ao nível da gestão, abastecimento dos barcos, pequenas e grandes reparações nas redes ou mesmo avarias mecânicas. O cerco é também tempo do defeso, o período do ano em que os barcos não estão autorizados a pescar. Altura de recuperar com atenção as embarcações e as redes, elemento precioso. Um trabalho sempre de equipa e de camaradagem entre todos. Os pescadores do cerco não gostam de estar parados: um barco em terra deteriora-se; perde-se o ritmo e, sobretudo, o sustento.

Alguns detalhes de uma história que se procura traçar ao longo deste livro, cruzando o lado documental e artístico da fotografia, com informação técnica e didática sobre o tema. Parte de um universo de cerca de 20.000 imagens registadas ao longo de 4 anos, para apresentar a seleção que estabelece a narrativa principal, complementada com infografias e ilustrações científicas, procurando documentar e visualizar a complexidade desta arte de pesca. São apresentados enquadramentos históricos, entrevistas e notas biográficas de alguns pescadores, conteúdos sobre as técnicas de pesca, as espécies de peixe, os tipos de embarcações ou a construção naval.

Helder Luís é designer, fotógrafo e artista multimédia. Estudou design gráfico e tipografia e, desde 1996, tem colaborado com inúmeras empresas e instituições, através do estúdio notype, com trabalhos publicados na Publish ou Marcas & Marcas.

Como artista multimédia, desenvolveu projetos como Ginsonic (com Dario Oliveira e Miguel Dias), Houselab (com João Paulo Feliciano, Rafael Toral, Rui Toscano e Rui Gato), Landscape (com João Pedro e Sérgio Gomes) ou System Modular (com João Santos e Carlos Lobo). Colaborou com artistas como Cesário Alves, John Baldessari, João Carrilho, Julião Sarmento, Lawrence Weiner, Rui Horta, entre outros. Integrou exposições e eventos como Art Attack, Bienal da Maia, CAM / ACARTE, Curtas Vila do Conde, ExperimentaDesign, Expo 2000 (Hannover), Dança do Brasil (Rio de Janeiro) ou Ravinia Classical Music Festival(Chicago), em contacto com entidades como Fundação Calouste Gulbenkian, Porto 2001, Museu de Serralves, Rivoli, Silo Espaço Cultural, ESAD ou Fonoteca.

Em 2018, apresentou as instalações MAR, no Museu de Arte Contemporânea de Serralves (Porto), e Under the Above, na Solar Galeria de Arte Cinematográfica (Vila do Conde), abrindo portas à exploração do tema. Em 2019, lançou o livro de fotografia Atlântico, que documenta as viagens a bordo do Iris do Mar ao largo dos Açores. Neste processo, terminou o Mestrado em Fotografia e Cinema Documental na ESMAD/IPP Porto, e integrou a residência artística MARPVZ19/20 promovida pela Câmara Municipal da Póvoa de Varzim.

“A pesca da sardinha é uma saga humana pouco mais do que invisível. Ocultada pelo imaginário épico que costumamos associar às pescas longínquas no Atlântico Norte e no Atlântico Sul ( bacalhau e pescada), a sardinha só é objeto de lembrança quando, ciclicamente, há notícia de naufrágios e vidas perdidas no mar, ou quando se reabrem debates efémeros em torno da escassez do recurso”.

— Álvaro Garrido (Professor catedrático e diretor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra)

“Um projeto que parecia estar mais circunscrito acabou por ganhar outros horizontes, pois levou-me a visitar e a embarcar na maior parte dos portos de pesca. Essa abertura deu-me uma visão global sobre a pesca do cerco e sobre as diferenças entre a forma de trabalhar dos pescadores do norte e os do resto do país. […] Para fotografar consistentemente uma atividade tão complexa como esta, com tantas variáveis e imprevistos, é necessário estar disposto a suportar as mesmas condições a que os pescadores estão expostos diariamente. Só assim se percebe a dureza da pesca. […] A recompensa (para quem pesca e para quem fotografa) chega nos dias bons, em que se pesca o suficiente para encher o próprio barco, os da família e os dos colegas”.

— Hélder Luís (Fotógrafo, designer, artista multimédia e autor)

Confraria Gastronómica Sardinha Portimão