Solta-Mente: à mente solta por todo lado

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Solta-Mente-Selma-Nunes

A “humildade” que agora é prato do dia, começa a incomodar-me, por ser detestável. Escrevo “incomodar” e “começa” fazendo já nota do abusado eufemismo. Na verdade, apetece distribuir violentas palmadas nas faces que a apregoam. Ou bengaladas, como no tempo do Eça.

A agora tão afamada humildade tem-se tornado companheira da desvantagem. É de quem está numa posição de inferioridade (efetiva ou aparente) que se espera o nobre traço de carácter. Para quem tem algum tipo de poder, a arrogância é permitida e até normalizada. Isto estragou-se tudo quando a pessoa pobre passou a ser de “humildes recursos” e depois só “humilde”. Uma coisa não é a outra. Adeuzinho!

Aos poucos, a palavra que deveria ser epitomo de despretensiosa modéstia e traço de quem por acaso, a tivesse (não interessando para as contas se numa posição de vantagem, ou não) passa a estar mais relacionada com a expetativa de um íntimo, visceral, complexo de inferioridade, proveniente de um/a interlocutor por se encontrar desprovido de algo que parece ser importante num determinado círculo, momento ou sociedade, ou só para aquela pessoa em particular.

Há vários problemas com esta nova “humildade” que apenas é um eufemismo para desvantagem numa hierarquia (económica, social, ambas) – um deles é que isto está errado, o outro que é isto retalia: enfim, o verdadeiro miserável é sempre quem arrogantemente espera que a pessoa no outro lado da conversa se prostre em angústias melindradas de inferioridade subserviente, desprovida de orgulho, personalidade ou de amor próprio e acha que isso é ter poder.

Uma sociedade que acredita que o poder não pode ser humilde, que isso é coisa de quem não o tem, vota em líderes arrogantes e sem carácter, justifica o “bullying” como parte da vida, culpa as vítimas de falta de “humildade” e é paga, mais tarde ou mais cedo com uma colheita de ódio que nem se lembra de ter semeado. Simplificando o discurso: para se tropeçar, basta qualquer pedra no chão quando se anda de nariz no ar.

Não pretendia escrever o sermão de Domingo. Eram só umas bengaladas após desligar a tv e isto saiu-me. Vou beber uma água com gás a ver se me passa, pois isto foi demais até para o meu forte estômago.

Selma Nunes