A Plataforma Água Sustentável considera que o conteúdo do documento divulgado pelo Governo relativamente à Estratégia Agua que Une é incompleto e contraditório, pelo que deixa demasiadas questões por esclarecer.
Como aspectos positivos da Estratégia “Água Que Une”, salientamos as medidas previstas para redução das perdas de água nos Sistemas Urbanos e nos Aproveitamentos Hidroagrícolas Públicos, bem como todas as medidas para melhorar a monitorização e a gestão desses sistemas (e.g. Programa para a Digitalização Integral do Ciclo da Água). Consideramos igualmente positiva a proposta de aumentar a disponibilização de Água para Reutilização (ApR) – Programa Água + Circular.
No entanto, apesar das boas intenções expressas pelos dois Ministérios (MAEN e MAP), a PAS constata que a linha mestra de atuação, particularmente no Algarve, continua a ser prioritariamente, o aumento da oferta de água para a agricultura intensiva, cada vez mais dependente de volumes crescentes deste recurso.
O aumento da oferta de água alimentará um ciclo vicioso que gera ainda maior consumo, ao invés de o diminuir, como seria desejável, para enfrentarmos os desafios que as alterações climáticas colocam, nomeadamente o aumento da escassez de água.
Medidas como a construção de novas barragens (Foupana e Alportel), o alteamento de estruturas existentes e as interligações entre bacias hidrográficas (transvases), inicialmente colocadas como última prioridade (PREHA), surgem agora como eixo central da Estratégia, o que demonstra uma inversão das prioridades anteriormente definidas e, ainda em oposição à estratégia da UE, expressa no Pacto Ecológico Europeu (pacote legislativo Objetivo 55), previsto para ser executado até 2023, que não prevê financiar novas barragens. Além de que a construção da barragem da Foupana, por exemplo, não tem justificação pelas condições hídricas, uma vez que o caudal é notoriamente insuficiente ao longo do ano.
Outro aspeto crítico na construção de grandes infraestruturas é o seu impacte ambiental. Nesta estratégia agora apresentada, as soluções baseadas na natureza e a gestão eficiente da água continuam a ser os parentes pobres. São bem exemplo disso os valores atribuídos às medidas propostas para implementar soluções baseadas na natureza: 0,25M€ para Estudos sobre o Regime de Caudais Ecológicos nas Barragens, e 50M€, com fonte de financiamento a determinar, para o Programa Pro-Rios 2030 (em elaboração), enquanto, por exemplo, os custos do Estudo para avaliar a viabilidade da construção da barragem de Fins Múltiplos de Girabolhos/Mondego é de 300M€ e a construção da Interligação Alqueva-Mira é de 35M€.
Neste entendimento, continuamos a defender que as duas grandes infraestruturas previstas para o Algarve – Estação de Dessalinização da Água do Mar e Tomada de Água no Pomarão são desadequadas, pelos seguintes motivos:
– Exigem investimentos públicos elevados e que, em conjunto, nem sequer compensarão as perdas nas redes que se verificam atualmente;
– Não há, nestas obras, garantia de efetiva disponibilização de água – na Estação de Dessalinização porque a produção será suspensa caso as ações de monitorização detectem danos (previsíveis) no ecossistema, e na Tomada de Água do Pomarão porque a própria EDIA afirma, em sede de consulta pública, que não haverá caudais suficientes para garantir a captação;
– Ambas têm impactes ambientais ainda desconhecidos, mas previsivelmente muito altos – apesar da Declaração de Impacte Ambiental (DIA) positiva, condicionada, em ambos os casos, há questões e estudos fulcrais que foram remetidos para Relatório de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução (RECAPE);
– Têm riscos económicos, sociais e paisagísticos, elevados e irreversíveis.
Em síntese, estes projetos, classificados no ponto 4 da Estratégia como ”Medidas de médio prazo para aumento da resiliência do sistema de abastecimento”, ao contrário de aumentarem a resiliência da Região, vão torná-la energeticamente mais dependente, aumentar a pegada ecológica, prejudicar, ou mesmo extinguir os ecossistemas afetados e, em consequência, aumentar a sua vulnerabilidade à escassez hídrica.
A PAS considera que, a curto prazo, deve ser:
- Definida uma estrutura eficaz de governação, com políticas integradas e ações prioritárias a executar pelas diversas entidades envolvidas. Estruturar a governança da água como, aliás, se preconiza na “Água que Une” – há inúmeras entidades envolvidas e a vários níveis nas políticas, planeamento e gestão da água, operando muitas vezes de forma autónoma e sem coordenação com as demais entidades.
- Priorizado o Planeamento e Licenciamento rigoroso das atividades económicas, de acordo com as disponibilidades hídricas. Deve ser criada e aplicada legislação relativa ao licenciamento da atividade agrícola (o maior utilizador, a agricultura é responsável por 73 a 75% dos consumos) e devem ser incentivadas mudanças do sistema de produção agrícola apostando num modelo de agricultura regenerativa, adaptada ao clima, e com soluções baseadas na natureza.
Como medidas estruturantes, as ações prioritárias devem ser dirigidas para criar condições que favoreçam o aumento da Pluviosidade e a Retenção de Água no Território:
- Ações de conservação do solo que, por intermédio da sua matéria orgânica, é o principal fator de retenção de pluviosidade e o maior sumidouro terrestre de carbono;
- Reflorestação com espécies endémicas, diversificadas e resilientes, e adequada manutenção dessas plantações;
- Restauro da Natureza – recuperar os ciclos da Água e do Carbono, reabilitar as linhas de água, promover a hidratação da paisagem, regenerar e manter os ecossistemas, etc.
Em síntese, concordamos com as medidas focadas em melhorar a governança, a gestão e a eficiência de utilização da água, e discordamos das medidas dedicadas a aumentar a oferta de água, com base em infraestruturas danosas para o ambiente. Além disso, acreditamos que, caso a Estratégia “Água que Une” venha a ser considerada pelo próximo Governo, o documento deve ser sujeito a Consulta Pública permitindo à sociedade civil expressar as suas dúvidas e sugestões sobre este tema, vital para o nosso futuro coletivo.
PAS