Altura de balanços, da recolha de papéis para os impostos e também para a grande maioria de nós (infelizmente GRANDE), é uma altura do ano que comporta alguma revolta porque se virou o calendário com o saldo a zeros, muitos de nós com o saldo negativo.
Vale a pena parar para pensar. Começo por me criticar a mim, antes de me querer armar em mestra das finanças dos outros. Sei muito bem que procuramos desculpas para não pensarmos, para não pararmos, mas o problema somos nós mesmos ovelhas atrás do cão, não resistimos, pactuando com a alucinação que nos conduz ao gasto e ao desperdício.
Queremos dormir e as preocupações endurecem a almofada, às tantas temos a cabeça sobre uma pedra, palitos entre as pálpebras, está escuro e os pensamentos escurecem também, às tantas deambulamos na insónia que por sua vez dá a mãozinha à depressão e por fim aí estamos a caminho do médico que nos entende muito bem e acha que precisamos de um químico que nos ajude a dormir porque há que dormir!
Mas o médico dá-nos apenas uma receita, não nos dá um cheque para tapar o descoberto no banco. Toca o telefone, é o lobo esfaimado a estrangular-nos com juros e ameaças. Atrás dos lobos estão as hienas, hihihi, as sociedades financeiras, elas têm o remédio na sua conta em 48 horas sem perguntas. Acedemos sem saber o custo da mézinha. E às tantas as coisas novas produzem em nós uma espécie de nudez hedionda. Tornamo-nos num osso disputado pela matilha prestamista de chacais, esvai-se a magia da sociedade financeira e aparecem os abutres. Não se percebe que cada cem custa duzentos. É a fuga para um buraco inevitável que nos desgasta, que nos angustia, porque nos habituámos a gastar o que não é nosso, a tirar de uma caixa onde não conseguimos pôr nada porque a caixa do prestamista tem um fundo falso, uma espécie de pântano que nos absorve o bom senso.
Reparem bem os leitores que as pessoas que nos vendem o crédito têm uma cara risonha, voz de veludo, e as que no-lo cobram têm umas ventas medonhas, e ladram e grunhem e quando as coisas estão mal até vestem um fraque e enfiam na cabeça uma cartola de gato pingado dos tempos de Dickens.
Não estará na altura de nos sentarmos calmamente com um papel e uma caneta na mão? Folha branca com um traço a meio, de alto a baixo, à esquerda, a meio da 1ª. coluna escrever um H bem grande de Haver e à direita um D enorme de Dever.
Depois é só ir por aí abaixo anotando o que vier à cabeça. Na maioria das folhas, infelizmente, a coluna do dever parece uma cobra e a do haver parece só uma lesma de couve.
Ora bem, a primeira coisa a fazer é olhar bem a maldita cobra, sacudir os sentimentos de culpa, enxugar as lágrimas e pensar positivo:
1º. Não deixar que a cobra se enrole à volta do nosso pescoço e nos sufoque; A cobra, afinal de contas, representa na maioria dos casos, compras impetuosas que fizemos, dívidas que contraímos sem antes termos dormido sobre a sua absoluta necessidade, objectos que depois de pagos (se pagos) já passaram de moda. Quantas vezes se odeia um objecto comprado a crédito só pelas preocupações que nos dá e pelos vexames que nos faz passar.