O poder está fechado. Fechado em Lisboa, dentro de portas. Se e quando passa na minha rua, é porque é de caminho. Porque temos órgãos de poder por cá, mas é-lhes retirada a autonomia. É o primo da pobre da província, como no tempo de Eça. Um incómodo.
Eu não poderia escrever esta crónica se não tivesse sido Abril. Mas ainda vivemos escondidos no favorzinho, ou no “se-faz-favor-zinho”. Tu coças daqui e eu seguro ali e se ninguém ficar a saber ainda melhor. Se perguntarem dizemos que não nos lembramos. Que a intenção era boa. A nossa intenção é sempre a melhor. E todos somos um pouco heróis. Se não nos lembrarmos, é porque não aconteceu.
É o “inho” que nos acorrenta o cérebro, o estômago e os fígados. É demasiado umbigo! Umbigozinho.
Temos um país que funciona à volta do cordão umbilical. Em tudo! Giramos à volta de Lisboa, porque supostamente, cheira melhor que os outros sítios. Eles de lá é que sabem. O pior é que já percebemos que não sabem coisa nenhuma, porque na maior parte das vezes, ou não se lembram, ou não estudaram o suficiente. Com tanta disciplina de voto, tanto “favorzinho”, o emaranhado é um enleio sem fim de amnésicos a gritar e a rir uns dos outros, nem sabem eles já bem porquê. Nem nós. Uma palhaçada. E se alguém vai gritar lá, porque supostamente é lá que parece certo gritar-se, ficam zangados, porque não se lembram. Esqueceram-se.
Na casa da democracia não há liberdades de voto! Paradoxal, não é?
Hoje é o “Dia da Liberdade”. Um Algarvio que se queira fazer ouvir tem de tomar a liberdade de ir a Lisboa. Não basta ir gritar nas ruas de Lisboa, porque até o primo da província sabe que o poder só sai à rua para hastear a bandeira. E convém que leve a televisão, que é o mais célere tribunal português. E o mais barato.
Mas convenhamos que nos devemos deixar de puritanismos e de virgens ofendidas. Já não cola. E que não haja falta de memória. O Estado Novo caiu de maduro da cadeira, os capitães foram a Lisboa fazer a Revolução que celebramos hoje. Escrevo isto com um cravo amarrotado colado ao computador. Caramba, se acredito!
Portugal está em dívida com os portugueses. Lisboa cheira igual. Desenleie-se esta teia empurrar com a barriguinha, a pensar no umbiguinho e vistam os cravos de Abril de uma vez por todas, no país todo. A rua estudou a lição. Sabe-a de cor. Os do lado de lá esqueceram-se.
Selma Nunes