Liberta a Gina… caramba, não tiveste tu mãe?

0
391
selma2016
selma2016Algumas gerações depois, as netas da Luísa, de Gedeão, continuam estafadas subindo e descendo calçadas, sempre atarefadas, desde novas, assediadas.

A Gina vai ao supermercado desenfreada. Ao descer a rua já está aterrorizada. Está tramada. Uma betoneira, logo, vai sair asneirada. Vá Gina, apressa o passo! Que só por seres Gina, tens de fingir que não é nada… olhos no chão! Mulher honrada ignora apupo, assobio, palavrão. Lá vai a Gina pouco à vontade, toda encolhida. Só por ser Gina não deve ficar ofendida, principalmente com a opinião dada que não foi pedida.

Anda Gina, não fiques assim. Essa “espécie de elogio” não tem hora marcada. Espanta-me que não estejas já habituada. Desde os treze anos mal acontecidos que tens de ouvir esses destemidos que sem te conhecerem, sentem-se engrandecidos por te fazerem encolher dentro dos vestidos.

Lá vai a Gina, já maldisposta, ao supermercado. “Grande prateleira” – diz-lhe um tarado. Gina, de olhos no chão, pergunta-se novamente: “tenho de ser humilhada para que este gajo se sinta gente?”

Anda mais um pouco, gesto piroso: o velhinho de bigode que podia ser avozinho diz algo asqueroso. A Gina não responde. Lembra-se de ter lido num jornal que “elogiar assim” não fazia mal. Gina não sente aquilo como um elogio. Estas coisas, mais ou menos artísticas, por desconhecidos, metem-lhe medo, nojo, frio. Às vezes Gina gostava de ser transparente e chegar ao supermercado sentindo-se gente. Às vezes, não… sempre.

Queria estar num bar, divertida, sem que um cromo lhe queira pagar uma bebida. E quando Gina diz obrigada, mas que não quer… o anormal não lida bem com a rejeição e insulta a Gina como pessoa, como mulher. Que culpa tem a Gina?

A Gina tem uma teoria: tem problemas de virilidade, quem de público tem necessidade. Pois se é assim tão bom e elogioso, porque começam às pancadas de bar quando o piropo piroso é dirigido à namorada, irmã, amiga, enfim, mulher, que os está a acompanhar?

Se fica danado, imagine o que sente a Gina com esse fado. Não saiu à rua para alegrar ninguém. Foi apenas ao supermercado, que fica já além.

Às vezes a Gina sente que bom seria se fosse transparente. Agora que a pirosice foi criminalizada pelo que é, o que a Gina não entende é que outras Ginas andem a reclamar de pé! Será que se habituaram a ser sisudas? Ginas, acordem, deixem de ser escravas mudas!

Uma Gina não tem de sofrer para que um mal formado sinta que existe. Uma Gina não tem de ser séria e triste! A Gina não tem de ouvir a tua demência, solidão, má educação, falta de formação ou lá o que costumas ter, só por ser mulher.

Não é obrigação da Gina saber a tua opinião sobre o seu decote. A Gina é mulher e não um pacote. Parem de defender o piropo com unhas e punhos. Sejam homens, em vez de grunhos.

Comportemo-nos como humanos. Essa treta já dura há muitos anos. Em caso de dúvida, a pensar bem… caramba, não tiveste tu mãe?

Selma Nunes

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.