A Gina vai ao supermercado desenfreada. Ao descer a rua já está aterrorizada. Está tramada. Uma betoneira, logo, vai sair asneirada. Vá Gina, apressa o passo! Que só por seres Gina, tens de fingir que não é nada… olhos no chão! Mulher honrada ignora apupo, assobio, palavrão. Lá vai a Gina pouco à vontade, toda encolhida. Só por ser Gina não deve ficar ofendida, principalmente com a opinião dada que não foi pedida.
Anda Gina, não fiques assim. Essa “espécie de elogio” não tem hora marcada. Espanta-me que não estejas já habituada. Desde os treze anos mal acontecidos que tens de ouvir esses destemidos que sem te conhecerem, sentem-se engrandecidos por te fazerem encolher dentro dos vestidos.
Lá vai a Gina, já maldisposta, ao supermercado. “Grande prateleira” – diz-lhe um tarado. Gina, de olhos no chão, pergunta-se novamente: “tenho de ser humilhada para que este gajo se sinta gente?”
Anda mais um pouco, gesto piroso: o velhinho de bigode que podia ser avozinho diz algo asqueroso. A Gina não responde. Lembra-se de ter lido num jornal que “elogiar assim” não fazia mal. Gina não sente aquilo como um elogio. Estas coisas, mais ou menos artísticas, por desconhecidos, metem-lhe medo, nojo, frio. Às vezes Gina gostava de ser transparente e chegar ao supermercado sentindo-se gente. Às vezes, não… sempre.
Queria estar num bar, divertida, sem que um cromo lhe queira pagar uma bebida. E quando Gina diz obrigada, mas que não quer… o anormal não lida bem com a rejeição e insulta a Gina como pessoa, como mulher. Que culpa tem a Gina?
A Gina tem uma teoria: tem problemas de virilidade, quem de público tem necessidade. Pois se é assim tão bom e elogioso, porque começam às pancadas de bar quando o piropo piroso é dirigido à namorada, irmã, amiga, enfim, mulher, que os está a acompanhar?
Se fica danado, imagine o que sente a Gina com esse fado. Não saiu à rua para alegrar ninguém. Foi apenas ao supermercado, que fica já além.
Às vezes a Gina sente que bom seria se fosse transparente. Agora que a pirosice foi criminalizada pelo que é, o que a Gina não entende é que outras Ginas andem a reclamar de pé! Será que se habituaram a ser sisudas? Ginas, acordem, deixem de ser escravas mudas!
Uma Gina não tem de sofrer para que um mal formado sinta que existe. Uma Gina não tem de ser séria e triste! A Gina não tem de ouvir a tua demência, solidão, má educação, falta de formação ou lá o que costumas ter, só por ser mulher.
Não é obrigação da Gina saber a tua opinião sobre o seu decote. A Gina é mulher e não um pacote. Parem de defender o piropo com unhas e punhos. Sejam homens, em vez de grunhos.
Comportemo-nos como humanos. Essa treta já dura há muitos anos. Em caso de dúvida, a pensar bem… caramba, não tiveste tu mãe?
Selma Nunes