Festival Literário leva mais de 500 pessoas à aldeia de Querença

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Sirenes, polícias a gritar, rede esticada, dezenas de pessoas forçadas a entrar numa sala escura. Os gritos persistem. “Rápido, rápido”, grita o homem fardado. Ninguém vê para onde vai mas todos são identificadas com números.

Algumas mulheres têm lenços a tapar a cabeça e o rosto, mas quem com elas divide o exíguo espaço, consegue ler-lhes o medo e a angústia no olhar. Uma chora. É Célia Martins, do grupo ao Luar Teatro que abriu o terceiro e último dia do FLIQ – Festival Literário Internacional de Querença.

Cumpriu-se assim o desiderato deste dia: tirar público e intervenientes da zona de conforto para falar sobre a ideia de refúgio, deslocados e exílio.

Teresa Tito Morais, presidente do Conselho Português para os Refugiados, convidada para a primeira conferência do dia, estava entre o público e descreve o que sentiu: “Fiquei muito aflita porque estava lá uma rapariga árabe que tentei auxiliar. Ela estava muito ansiosa e tentei sossegá-la. Disse-lhe que trabalhava com refugiados. Bom, depois percebeu-se que era uma encenação, mas fiquei muito emocionada.”

Paulo Dentinho, director de informação da RTP, moderou o debate de que também fizeram parte dois jovens refugiados a residir no Algarve, a Polícia Marítima, a Santa Casa da Misericórdia de Faro, especialistas em Direito e Assuntos Europeus e professoras de português. Quatro alunos da escola secundária Pinheiro e Rosa, Faro, foram o rosto do projecto internacional In a far away land: Refugee children, coordenado pela professora Clara Abegão. Leram excertos do livro que se preparam para lançar, resultante de uma visita ao campo de refugiados Veria, Grécia. Garantem que foi “a experiência de uma vida”.

Um outro painel, sentou à mesma mesa autores de contos organizados por José Fanha e Fernando Esteves Pinto em duas colectâneas: Uma Terra Prometida: contos sobre refugiados e Fronteiras Humanas, o drama dos refugiados. Sérgio Luíz de Carvalho, Cristina Carvalho e Miguel Real foram alguns dos autores presentes.

Testemunhos e sentimentos à flor da pele também na homenagem a Teresa Rita Lopes, no sábado, “a professora militante”, como lhe chamou Anabela Almeida, investigadora integrada da Universidade Nova de Lisboa que teve Teresa Rita Lopes como orientadora de doutoramento. Catherine Dumas e Manuel Moya, tradutores da sua obra para francês e espanhol, integraram o painel de que ainda fez parte José Fanha e o encenador João Luiz, entre outros nomes sonantes da cultura nacional.

A distinção contemplou a inauguração de uma exposição, na qual se contam as estórias da homenageada, desde o nascimento em Faro ao exílio em Paris e as suas várias militâncias, entre as quais a pessoana, que garantiu a pertença nacional da emblemática arca de Fernando Pessoa. “Falar desta homenagem atrapalha-me imenso porque apesar de toda a minha vida me interessar e escrever teatro não sou de me pôr no palco, mas fico muito sensibilizada. Muito obrigada por se terem lembrado!”

Presente nos três dias do Festival, Teresa Rita Lopes elogiou o evento: “A maior parte dos festivais que pelo nosso país se fazem são organizados por empresas pagas para o efeito, portanto não têm nada a ver com este. Este correu tão bem porque foi organizado por pessoas que são verdadeiramente a cultura. E as pessoas percebem que há uma coisa que se chama educação no sentido de colher conhecimentos, é instrução. Não sei se reparou mas as pessoas que andaram aqui estavam felizes, porque a derradeira cultura enche as pessoas de felicidade.”

Patrícia de Jesus Palma, investigadora integrada da Universidade Nova e membro da comissão organizadora do FLIQ, comunga da ideia: “O Festival é um momento feliz por criar as condições para o diálogo. Um lugar onde, em concórdia, é possível discordar e um palco que distingue o tanto que se faz em prol da cultura e da integração. Enraizado em Querença, o FLIQ proporciona o encontro entre paisagens, ligando a literatura ao território. No terceiro dia, por exemplo, oferecemos um passeio pela conhecida Paisagem Protegida da Benémola, dando a conhecer a riqueza do seu património. Quem sabe, em breve, a Benémola ou Querença integrem o roteiro das paisagens literárias de Portugal…”

O evento contou com leituras encenadas, documentários, feira do livro, espectáculos musicais, animação pela Biblioteca Municipal de Loulé e gastronomia serrana, com destaque para o jantar “Manuel Viegas Guerreiro”, no primeiro dia do Festival, com várias iguarias locais.

Se visitar a Fundação Manuel Viegas Guerreiro poderá ver também a exposição Algarve Interior, da fotógrafa Telma Veríssimo, patente só até ao final do mês mas com promessa de regresso.

A fechar a edição deste ano, pensamentos e reflexões redigidos pelo público no início da tarde, voaram presos a balões pelo céu do barrocal, ganhando vista de mar e de serra.

O FLIQ contou com o apoio da Direcção Regional de Cultura do Algarve, Câmara Municipal de Loulé, União de Freguesias de Querença, Tôr e Benafim, Programa Algarve 365 e Ombria Resort. Teve a Antena 1 como media partner.Fliq Querenca 2Fonte: Fundação Manuel Viegas Guerreiro

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