Mundo alternativo – a vista rua ou a ordem natural de um poste de eletricidade

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postes1378118119
postes1378118119Basta que a vista mar saia de moda e se comece a valorizar vistas para a sua rua. Se a sua casa tiver mais de que uma divisão é proibida. Tudo abaixo. Com o apoio e também com a indiferença de alguns dos seus concidadãos, a sua casa na rua X desaparece do mapa apoiada num foro de ilegalidade recém-adquirida, instaurada a decreto, abençoada por uma tendência urbanística revolucionária, e em ideais com sentido apenas à superfície.

A sua pessoa, que antes até era um cidadão como qualquer outro, primeiro ganha estatuto de ilegal, depois é promovido a sem-abrigo. É assim. Basta que a moda mude. Ri-se? Não tem piada.

Imagine-se que a estética urbanística muda de ideias e afinal, as casas passam a ter de estar desalinhadas, em vez do oposto, ou que mudam as regras do jogo e passa a ser proibido existirem casas na sua rua. Só postes de eletricidade são permitidos. Não se pode viver num poste! Não pode vender a sua casa, pois ninguém quer comprar uma casa ilegal. Pormenor que já deve ter reparado, não tem dinheiro e ninguém lhe vai proporcionar uma nova habitação. Não é possível mudar a casa para outra rua.

Apenas alguns políticos prometem coisas, mas isso é em frente às câmaras televisivas, porque querem o seu voto de futuro sem-abrigo. Desde que vote, o que lhes interessa onde vive?

Dizem-lhe que não lhe dão nova habitação pois é herdeiro de uma décima parte de uma casa em ruínas numa aldeia qualquer. Então a sua casa proibida é a sua segunda habitação! Tenho uma ideia, vamos tornar tudo ainda mais interessante para a sua nova vida e vamos recorrer aos tribunais. Entre recursos e discursos, você e os seus vizinhos até se juntaram, mas da justiça nem notícia.

Estão a ser atacados por grupos de ambientalistas, engenheiros, arquitetos paisagistas da nouvelle vague e por indivíduos pró-moda nas redes sociais. Os vizinhos da rua do lado encolhem os ombros e olham para o lado. Têm medo de ser os próximos. Por este andar, serão. Olhar para o lado enquanto se caminha dá mau resultado pois pode-se pisar o que não se deve…

Ainda o papel do recurso não aqueceu numa secretária administrativa e a companhia ilegal por estatutos, assim como destituída de sentido, a não ser pelo sentido conferido pelo poder político maioritário, entra-lhe casa adentro, e atravanca os seus bens em contentores. Começam as demolições.

É o mais recente sem abrigo da sua rua. Tinha uma casa com vista rua. Não pode. Aqueles que nunca tiveram uma casa de vista rua não gostam de si. Nunca tiveram uma e acham injusto. Comentam isso todos os dias. Não adianta dizer que antes da vista rua ser boa, quando todos suspiravam pelo mar, você já lá estava.

Ainda nem recuperou do susto e já começaram as obras por cima dos seus escombros. Um hotel de rua inteira, todo envidraçado. Investidores internacionais sussurram, por aqui e acolá, meio a medo. E no fundo eu sei, todos sabemos, está tudo chanfrado. O hotel nem é bonito… nem respeita a ordem natural dos postes de eletricidade. O IMI que pagou… não conta.

Era ilegal. Agora, sem abrigo. Talvez seja possível viver em postes… talvez se transforme, com o tempo num poste. Talvez a sociedade esteja doente e com esta, o poder político. O poder só é poder se lhe é dado esse poder. E pode ser retirado. Porque as pessoas não são postes. Nem vivem em postes. São mais do que isso.

Selma Nunes

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