Desta forma, tornámo-nos juízes sem conhecer todas as causas, todos os cantos das histórias. Já não é só atrás dos computadores. Agora, se o vizinho estaciona mal o carro vamos avisá-lo que ainda leva multa, se o condutor da frente não faz pisca, apita-se, faz-se sinais de luzes, gesticula-se… era tão bom que todos seguíssemos as regras com precisão, mas a vamos a contas e todos estes novos juízes e polícias de bancada acham que as regras são feitas para o outro cumprir. Eles são a exceção, claro, porque nesse dia… (história comovente e kitsch para contar numa outra crónica).
Parece difícil confessar que só se leu o título da notícia, depois de ter disparado o impropério. Além disso, somos cada vez mais infantis. Meia hora sem entretenimento é muito tempo de vazio e podemos cair no abismo interminável e falecer de tédio, ou coisa assim. Precisamos de muito lazer ou aborrecemo-nos ao ponto da fúria destruidora. Montanhas de informações, senhas de wifi, posts, leituras, tv, frases feitas bonitinhas, e às vezes tudo ao mesmo tempo. E isto sem estar em silêncio.
É irónico e contraditório que numa sociedade que vai desapreciando o que é sintético, que se diz revoltada com o capitalismo, que se sente usada pelas corporações, enganada pelas grandes marcas e que quer voltar para o meio ambiente e para a vida saudável sem perceber que só o faz porque já a destruiu e porque isso faz com que compre outras coisas.
Sem perceber que toda esta fome de ter tudo ao mesmo tempo não é ser anticapitalista, nem antiliberal, nem anti coisa nenhuma. É comprar mais coisas e produtos cada vez mais evoluídos, como secadores de cabelo que dizem “professional” e ténis de corrida de competição olímpica para caminhar 2kms por semana e smartphones com aplicações que avisam quando se deve beber água.
O que estamos a fazer? Parte da sociedade de consumo, obviamente! Negando-a, mas ainda assim, reagindo exatamente como é esperado – ou inculcado. É andar a correr pela rua com o dedo apontado de tal forma que parece que dispara e fazer tudo igual ao acusado.
Fazemos agora parte de uma massa cultural que se constrói com estilos e objetos e isso, meus amigos, é fazer parte do consumo de massa, tenha esta glúten ou não (e não estou a falar de esparguete) e é ser eternamente adolescente – estar para pertencer, falar para demonstrar posição, reclamar sem saber lá muito bem do quê, mas porque certamente se está contra, ou a favor, porque tem de ser. E porque tem de se ter. Mudam os produtos, mas ficam as necessidades. Estamos a tornar-nos pequenos ditadores com tanto culto do “eu”.
Escrevi esta crónica com a tv, o pc (obviamente com wi fi) e o smartphone ligados, sou culpada, mas estou consciente do ridículo.
Selma Nunes