Vieram as eleições e toda a confusão que a democracia causou (para irritação de muita gente culta) e também o “Joaquim”, mau tempo com nome de homem latino, porque a malta que dá nome aos furacões apercebeu-se que estava a ser sexista, então este chama-se Joaquin.
Este tal de Joaquin trouxe-nos alguma chuva. Fico sempre melancólica com as primeiras chuvas. Lembrei-me de algumas coisas que somente quem vive do mar se pode recordar. Estava a ver o noticiário e pensei que só mesmo um conjunto pessoas irresponsáveis no cúmulo da ignomínia forreta e com esse único propósito (forrar em tostões, ignorar vidas) fecha um serviço de socorro tendo uma barra perigosa como a da Figueira às seis da tarde. Uma barra que tal como as nossas têm sido, já precisava de ser dragada.
Quantas mais vidas de pescadores precisarão de ser ignoradas, subestimadas, espezinhadas para que se faça algo por estas populações costeiras? Mais uma vez sublinho, a maior parte da população portuguesa vive junto à costa. Passados muitos anos e alguns naufrágios lá vieram desassorear aqui no Algarve. Apenas depois de muita luta, porque o que queriam era demolir casas nos ilhotes da Ria Formosa. Ainda querem. Não percebo a inversão de valores.
Voltando à tal publicação, faltavam umas coisas imperdoáveis que quem mora junto ao mar deveria saber. Faltavam cheiros e sons. O cheiro da areia molhada da chuva, que cheira a terra salgada limpa, a mar dentro da terra e a coisas lavadas. Não mencionava os lindos desenhos circulares que as gotas da chuva fazem antes de ser absorvidas pelos grãos de areia. Mais do que as modas dos turistas que chegam, os torrões de areia que se juntam aqui e ali e fazem das pegadas um misto de areia seca e molhada, ou menos molhada e mais molhada. E melhor que tudo isto, o barulho da água a bater na água, a água a bater na areia, que acalma todos os tipos de neuroses pós-eleitorais.
O Joaquin não é humano. De humano tem apenas o nome (masculino) e segue o seu curso de furacão, género masculino, feminino, não importa. Furacões à parte, o mar forte e a insensatez de quem dirige os nossos dinheiros ceifaram a vida de quem dele vive. Outra vez.
Somos um país com uma enorme orla costeira, que se farta de ir à praia e receber prémios, turistas e afins, que escreve publicações corriqueiras e pseudo-românticas para redes sociais, mas que não utiliza os meios necessários para cuidar da costa que tem, para economizar, não vidas, mas alguns euros. Por estar mais preocupado com a aritmética do que com quem ainda vai sustentando, com muito custo, as suas mil e uma maneiras de fazer continhas… ah Joaquins deste país, para que vos serve o tacho se os Tóines não forem ao mar? Como continuarão a fazer as vossas caldeiradas? E para que vos serviriam essas tachadas vazias? Para pendurar em paredes como diplomas negligenciados?
Selma Nunes