Lá fora, a chuva fustigava as ruas de uma maneira insolente. Escuro. Chegou o Inverno. Não percebendo ainda a relação dos porta-moedas com os cabos eletrónicos… se é que haveria alguma, deslizo o olhar pela rua, percebendo que choveria há horas.
Sem tempo, como sempre, banheira, vestindo, bebericando café preto ao mesmo tempo que procuro as chaves, os óculos, a mala, o caderno assim, a caneta assado, o telemóvel, e vou descendo, vestindo o casaco, abrindo portas, chocalhando chaves, procurando o carro, apanhando chuva, seguindo para Faro.
A meio do caminho, o trânsito de sempre. Duas rotundas novas depois e ainda as obras, e ainda o maldito trânsito. Parado, paradinho, paradíssimo, parado, um nadinha à frente, parado outra vez, o autocarro a querer passar, eu a querer passar, todos a querer passar, mas ninguém passa porque todos se enleiam à entrada de Faro. As obras continuam. Finalmente, “Bem-vindo a Faro – Welcome” e chego ao meu destino. Não me sinto lá muito bem-vinda, pois esta dificuldade permanente estraga a manhã a qualquer um.
Em cima da hora. Obrigada capital do Algarve, bom dia para ti também. És muito concorrida de manhã. Devias corar de vergonha por isso. Tantos a querer entrar e tu não deixas. Tiro tudo do carro, as chaves, os óculos, a mala, o caderno assim, a caneta assado, o telemóvel e corro a ver se ainda tomo outro café. Não chove que se farta agora, mas chove que até me farto. Chego despenteada, incomodada e já a precisar de outro café. Pouso a mala, os óculos e procuro o porta-moedas enquanto vejo numa televisão de bar os estragos que as chuvas demoníacas fizeram às cidades algarvias. Sim, demoníacas como no final dos tempos. Apocalípticas. É preciso gritar-se isso do púlpito. O mundo está a chegar ao fim dos dias e começou no Algarve e o Senhor ministro veio avisar… e com um pouco de sorte emprestar o seu guarda-chuva.
Não encontro o porta-moedas. Pago o café com uma moeda que resgato, perdida, no fundo da mala… porque dentro da mala tenho tudo menos o porta-moedas, inclusivamente, dois carregadores de telemóvel, o cabo de alimentação do computador e dois adaptadores USB.
Não sei se hoje em dia é preciso fazer porta-moedas para cabos eletrónicos, mas se um dos meus cabos eletrónicos fosse o porta-moedas, era bem bom. Bem-vindo a Faro! Voltar para trás? Só se estivesse louca voltava a passar pela demoníaca entrada de Faro. Ficar sem porta-moedas não é o fim do mundo. Bem-Vindo a Faro. Cá me desenrascarei.
Selma Nunes