Faria sentido, depois da expulsão da Assembleia da República, ontem, do grupo de manifestantes que reclamam, veja-se o quê – o Direito à habitação. Habitações que são suas. Mas vou escrever sobre isso outra vez?
Custa-me ver a Ria Formosa em saldos, finca-pé de rapazolas de fato que, indubitavelmente, não sabem o que são marismas, nem sentiram alguma vez o aroma da marcela ao cair da tarde.
Limitam-se a sorrir com um ar bobo, irónico, quase sádico, esquecendo que a política não é uma carreira, é um serviço público e que estão a rir de quem lhes fornece o pão. E o peixe. E os tostões para os fatos, nos quais se exibem com aqueles sorrisinhos ofensivos. E se sentem grandes. Cuidado…
Um fato não faz um homem. Nem uma mulher. Aquele tipo de sorrisinho irónico não é um ato de coragem. Pelo contrário. Mostra desrespeito, falta de humildade e até a perda de valores fundamentais. Dá a entender aos interlocutores que se sente numa posição de poder. Demonstra insensatez. Isso não me parece aceitável. Com ou sem fato, não é.
David derrotou Golias. Rapazolas arrogantes de fato nem chegam aos calcanhares de Golias.
Pior: por falar em calcanhares, Aquiles tinha um que era o seu ponto fraco. Estes ares de superioridade são mais do que um calcanhar fraco. São sinal de uma cabeça que não está a funcionar bem. São um tiro no pé.
Além disso, ainda sobre pés, calcanhares e afins, já diziam os romanos: “Não julgue o sapateiro, acima da sandália”. Não se fale sem conhecimento. Quem ri do que desconhece é tolo.
Há que arregaçar as calças do fato e conhecer o terreno. Conhecer e respeitar as pessoas. Saber o que são marismas, sentir o cheiro da marcela que vem com a brisa, deixar-se fustigar pelo sol que escalda o corpo e que queima na areia o pé descalço.
Saber, acima de tudo, o que é pertencer a um lugar. (Nós é que pertencemos aos lugares, não o contrário).
Só depois, saber o que se sente quando um sorriso que nem aos próprios fatos pertence se desenha num rosto inconsequente. Cuidado… o serviço público acaba quando acaba o público, ou quando o público não quer o serviço (a esta última opção, recordo agora um termo que também tem “pé” no nome, e é dado na traseira, de alguém com ou sem fato, sempre no sentido figurativo da coisa).
E quando dou por mim, a crónica está escrita. Não às demolições na Ria Formosa! Mas vou escrever sobre isso outra vez? Parece que sim. Já que se falava de pés: é necessário fazer chulé (ou banzé, ou barulho).
Selma Nunes