Perante tantas cordas a juventude está a preferir não acordar e alhear-se

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selma cronica
selma cronicaEsta crónica é tendencialmente longa e generalista, mas só assim a consegui escrever. Espero que me perdoem, um dia, pelo menos, a generalização. Convido a disfrutar deste meu ponto de vista. Empoleiremo-nos juntos, então neste limbo que são todas as opiniões.

Sou da geração que, independentemente de ser “rasca” ou “desenrasca”, era otimista. Usávamos calças de ganga quase até às orelhas e penteados que nos equiparavam a caniches por tosquiar. Estávamos americanizados desde o boné dos “Chicago Bulls”, calças das “leves” e ténis das “estrelas todas” até ao tutano, regados pelo refrigerante do Pai Natal.

Enquanto crescíamos disseram-nos que éramos especiais e que podíamos ser tudo o que quiséssemos. Tudo à nossa volta tinha esse eco: a t.v., o cinema, a publicidade e os pais – todos diziam que eramos jovens, que tínhamos o tempo e o mundo nas mãos. Se quiséssemos e tentássemos.

E todos queríamos. Eu cá queria ser médica, detetive e escritora.

Danou-se. O tempo mudou. O mundo mudou.

O tempo encolheu às nossas mãos assim que investimos na tecnologia. Quanto mais a comprávamos, mais incutíamos velocidade às nossas vidas. Começámos a ter um mundo escorregadio e incerto. As gerações a seguir nasceram de olhos raiados de tecnologia e dependência.

Juntos, viemos a descobrir que a paz mundial era treta. Que a abolição da escravatura era mentira e que a Natureza era mais lenta a renovar-se que nós a estragá-la. Tornámo-nos peritos em hipocrisia televisiva. E depois, tudo piorou porque o mundo mudou. A nossa ocidentalidade pseudo- pacífica foi ameaçada na sua raiz. Até as estrelas da bandeira do país mais poderoso do mundo (pensávamos) eram falíveis e questionáveis. As estrelas rock que não sucumbiram… desintoxicaram-se, outras foram julgadas por coisas horríveis.

Somos agora o produto do que acreditámos: reféns de tudo o que consumimos e de tudo o que recusamos. De governos, de instituições, de fundamentalismos político-religiosos… e ainda por cima, somos vítimas da sociedade estandardizada e globalizada que ajudámos a criar. Uma sociedade que só acredita se for muito má notícia e que se informa pelo cabeçalho. Não há tempo. O tempo é a estrela. O trabalho é temporário, os direitos são temporários, a própria tecnologia é temporária e tudo se dobra. Até nós.

O que fizemos a seguir? Então… agora dissemos a nossa verdade à geração seguinte. Dissemos que o futuro não era garantido, que pode correr mal, que se deve ser cuidadoso com tudo e para não se confiar em ninguém. Que quem se enquadra não é alvo. Que devem ser escolhidos sonhos exequíveis.
Além disso, criticamos-lhes a dependência tecnológica, mas sempre sublinhando que é lá que está o futuro. Compramo-la para eles com o fruto do nosso tempo. Algum deste tempo poderia ser utilizado a explicar que sonhar é importante e inofensivo. E que falhar pode acontecer, mas que vale tentar.
Não é de estranhar que os miúdos andem cabisbaixos, deprimidos, sem vontade, indecisos, com medo de falhar, com cada vez maior necessidade de alheamento da realidade.

Amigos… junto com os cereais transgénicos carregados de sal e açúcar, estamos a alimentá-los com sofrimento por antecipação: transmitimos que a vida é pesada e que passa depressa, que não há verdades nenhumas… e que o melhor é não crescer, para não encarar um futuro incerto e injusto, para o qual nem estudar muito é garante de sorte e felicidade. Aliás a felicidade… é temporária. O “viveram felizes para sempre” também é treta. Há que perceber que mensagem globalizada, deprimente e hipócrita se está a passar e parar de julgar as notícias pelo cabeçalho.

Selma Nunes

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